As criptomoedas e as tecnologias associadas a ela, como o blockchain e a criptografia, vão ser capazes de transformar o mercado financeiro internacional?
Um dos comentários mais polêmicos sobre criptomoedas é atribuído a Warren Buffett, um dos maiores investidores do mundo: “As criptomoedas não terão um final feliz”. Para o “Oráculo de Omaha”, apelido conquistado graças ao seu sucesso no mercado de capitais, as criptomoedas são compradas por pessoas que querem ficar ricas do dia para a noite.
Estas só adquiriram as moedas digitais, pois souberam de algum caso distante de gente que ganhou bastante dinheiro através das criptos. O problema é que elas não entendem nada sobre o assunto. Ou seja, as pessoas compram, a criptomoeda valoriza com a demanda, e esse ganho de valor não condiz com a qualidade do ativo.
Criptomoedas e a Perspectiva de Buffett
A partir desse comentário, algumas afirmações podem ser realizadas. O investidor tem razão ao afirmar que muita gente compra criptomoedas sem fazer a mínima ideia de como funciona o produto. Entretanto, isso não é uma particularidade das moedas digitais; muitas pessoas adquirem ações no mercado de capitais “tradicional” apenas apostando na alta de alguma empresa, que muitas vezes não tem fundamentos para estar com os papéis valorizados. Outra interpretação que pode ser realizada é a de que o próprio Buffett não conhece as criptos. Isso pode ser afirmado, pois há uma variedade gigantesca de moedas digitais, baseadas em tecnologias diferentes, umas muito mais seguras que as outras.
Aceitação e Uso das Criptomoedas
Independente do Oráculo estar certo, as criptomoedas existem e já são aceitas por diversos atores no sistema financeiro. Por exemplo, em julho de 2021, a Assembleia Legislativa de El Salvador adotou o Bitcoin como uma moeda oficial do país. Grandes empresas como a Microsoft, Visa, PayPal e Starbucks também já permitem que os seus consumidores comprem alguns dos seus serviços com o Bitcoin.
Criptomoedas e a Tecnologia Blockchain
As transações feitas com as maiores criptomoedas são realizadas através de uma tecnologia chamada de blockchain, que são partes de código que contêm dados interligados, como blocos, em sistemas de criptografia. Mesmo sendo baseadas em estruturas de criptografia, as moedas digitais podem deixar algumas lacunas quanto à segurança. Não é um evento muito comum, mas algumas carteiras digitais de bitcoin já foram hackeadas, causando alguns milhões de prejuízo. Além disso, o dinheiro digital também está sujeito a problemas técnicos nas corretoras e nos seus servidores.
Desafios para os Estados
O crescimento dessa tecnologia gera alguns dilemas em relação aos Estados como os principais reguladores da emissão de moedas. Enquanto as moedas tradicionais são garantidas pelos bancos centrais, o Bitcoin e outras criptomoedas de maior destaque, como o Ethereum, não necessitam de um sistema como esse para que as pessoas realizem transações. Como consequência, a falta de controle financeiro pelo Estado gera uma série de incertezas (Popper, 2016).
Com o fim da influência das moedas nacionais, os Estados não conseguem financiar a sua dívida pública através da emissão de moeda. Geralmente, essa ação é necessária para poder financiar projetos ou fazer a economia rodar. Por exemplo, os Estados Unidos precisaram emitir trilhões de dólares para segurar a sua economia durante a pandemia. Provavelmente, isso nunca seria possível caso a maior parte das suas reservas financeiras estivessem em criptomoedas. Salama (2019) destaca mais ainda essa questão ao levantar a hipótese de como seria possível o financiamento de armas e exércitos durante uma guerra por parte dos governos, já que essa é uma ocasião da qual, na maioria das vezes, demanda-se a emissão de moeda.
Adaptação e Regulação
A partir de todas as informações discutidas, ainda não dá para definir se as criptomoedas vão substituir as moedas nacionais. O cenário mais provável é o de que haja uma adaptação em que os bancos centrais convivam com as criptos, porém construindo mecanismos reguladores.
No início de 2020, a Receita Federal do Brasil publicou uma portaria que possibilitou que fintechs e exchanges pudessem arrecadar e permitir que os seus clientes paguem os impostos federais com moedas digitais. Por outro lado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tem a função de regular o mercado de capitais por aqui, ainda não reconheceu as criptos. Apesar disso, a agência reguladora permite que alguns fundos atrelados à moeda digital sejam negociados na bolsa de valores (Gregorio, 2020; Tolotti, 2021).
Perspectivas Futuras e Cenário Financeiro Internacional
O futuro das criptomoedas no cenário financeiro global ainda é incerto, mas o que é certo é que elas estão moldando novas dinâmicas de mercado. A descentralização das transações e a independência dos bancos centrais são fatores que podem tanto promover uma maior inclusão financeira quanto desafiar a estabilidade econômica global. A tecnologia blockchain também promete inovar em áreas além das finanças, como na cadeia de suprimentos, segurança de dados e contratos inteligentes.
Conclusão e as Relações Internacionais
A emergência das criptomoedas não apenas representa uma mudança significativa nas finanças internacionais e nas relações internacionais, mas também desafia as estruturas econômicas e políticas estabelecidas. A promessa de inclusão financeira e a capacidade de realizar transações de forma descentralizada oferecem uma nova perspectiva para milhões de pessoas ao redor do mundo. No entanto, essas vantagens vêm acompanhadas de desafios consideráveis, especialmente no que diz respeito à regulação e segurança.
A ausência de um controle centralizado pode levar a incertezas econômicas e dificultar a capacidade dos Estados de implementar políticas monetárias eficazes. A volatilidade das criptomoedas também é um fator de risco que não pode ser ignorado, afetando tanto investidores individuais quanto instituições financeiras.
Apesar dessas questões, a inovação tecnológica proporcionada pelo blockchain e outras tecnologias associadas às criptomoedas tem o potencial de transformar não apenas o setor financeiro, mas também outras áreas como a cadeia de suprimentos, a gestão de dados e os contratos inteligentes.
O futuro das criptomoedas dependerá de como os governos e entidades reguladoras abordarão esses desafios, equilibrando a necessidade de proteção dos consumidores e a promoção da inovação. As empresas também precisarão adaptar suas estratégias para integrar essas novas formas de transação, enquanto os indivíduos terão que se educar continuamente para navegar neste complexo ambiente financeiro.
Em suma, as criptomoedas estão aqui para ficar, e sua influência na política internacional e nas finanças continuará a crescer. Cabe a todos os atores envolvidos – governos, empresas e consumidores – encontrar maneiras de se adaptar e aproveitar as oportunidades oferecidas por essa revolução digital, ao mesmo tempo em que mitigam seus riscos inerentes. O caminho à frente é incerto, mas certamente será marcado por mudanças profundas e transformadoras.
Quer saber mais sobre as finanças internacionais e sobre a emergência das criptomoedas?
Livros e artigos importantes para começar nesse mundo e entender como funciona o sistema internacional
- TERRA, C. Finanças internacionais: Macroeconomia aberta. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
- NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: Um sistema de Dinheiro Eletrônico Peer-to-Peer, 2008. Disponível em: Bitcoin Paper.
- SINATORA, J. R. P. Mercado de Capitais. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2016.
Curso de Finanças Internacionais
Se você se interessa em Relações Internacionais e Finanças Internacionais e quer se aprofundar nas ferramentas e práticas que envolvem esse assunto, inscreva-se no nosso curso de Finanças Internacionais.
Referências para a composição do texto
GREGORIO, Rafael. Ao não regular bitcoin, mas permitir uso em impostos, Estado brasileiro se contradiz. Valor Investe. 21 jan. 2020. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/blogs/rafael-gregorio/noticia/2020/01/21/ao-nao-regular-bitcoin-mas-permitir-uso-em-impostos-estado-brasileiro-se-contradiz.ghtml.
TOLOTTI, Rodrigo. CVM aprova negociação do primeiro ETF de Bitcoin da América Latina. Infomoney. 19 mar. 2021. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/mercados/cvm-aprova-negociacao-do-primeiro-etf-de-bitcoin-da-america-latina/.
POPPER, Nathaniel. Digital Gold: Bitcoin and the Inside Story of the Misfits and Millionaires Trying to Reinvent Money. New York: Harper, 2016.
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que pode dar errado com Bitcoin, Libra e outras moedas? Infomoney. 30 jun. 2019. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/colunistas/bruno-meyerhof-salama/o-que-pode-dar-errado-com-bitcoin-libra-e-outras-criptomoedas/.