Construtivismo: a Teoria Construtivista e as Identidades

Construtivismo: a Teoria Construtivista e as Identidades

As teorias principais, fundadoras da disciplina de Relações Internacionais, o Liberalismo e o Realismo, na segunda metade do século XX, não eram capazes de responder às mudanças sociais, políticas, comerciais, culturais e tecnológicas que o mundo estava passando. Os Estados eram cada vez mais questionados sobre seus papéis como promotores do desenvolvimento social.

As identidades estavam se transformando, novos blocos políticos e alianças surgiam, e novas perspectivas para a integração política, como a União Europeia, eram capazes de mudar o papel do Estado. A soberania estava sob pressão. Nesse contexto, nasce a terceira principal teoria das Relações Internacionais, que procura compreender como os Estados interagem e buscam se manter no sistema internacional: o Construtivismo.

O Construtivismo destaca a importância das ideias, normas e identidades na formação das ações e interações dos Estados. É um importante avanço em relação ao Realismo e ao Liberalismo, que focam em aspectos materiais como poder e instituições. O Construtivismo argumenta que a realidade internacional é, em grande parte, construída socialmente e não é condicionada, inerte e imutável.

Construtivismo e Política Externa

No contexto da política externa, o Construtivismo oferece uma análise distinta de como as identidades nacionais e as normas internacionais influenciam as decisões dos Estados. Diferente das abordagens tradicionais, como o Realismo e o Liberalismo, o Construtivismo enfatiza a importância das ideias, crenças e identidades compartilhadas na formação das políticas externas dos estados.

Construtivismo e Identidade Nacional

Os estudiosos do Construtivismo argumentam que as normas e ideias presentes na consciência coletiva de uma nação estão intimamente ligadas à sua identidade nacional, que por sua vez molda suas políticas externas. Isso difere da abordagem realista, que vê os Estados como atores racionais que buscam maximizar seu poder e segurança em um sistema anárquico, onde as identidades e normas são secundárias ou irrelevantes. No Realismo, as políticas externas são principalmente determinadas pela distribuição de poder e pelos interesses nacionais calculados em termos de poder material.

Normas e Ideias na Política Externa

A identidade de um Estado e suas percepções sobre segurança são moldadas por normas e ideias predominantes. Por exemplo, um estado que se vê como um defensor da democracia pode adotar políticas externas que promovam a democracia em outros países. Isso contrasta com o Liberalismo, que foca nas instituições internacionais e na interdependência econômica como os principais motores da cooperação e da paz. Embora o Liberalismo reconheça o papel das ideias, ele tende a enfatizar as estruturas institucionais e os incentivos econômicos como principais influenciadores das políticas externas.

Interação entre Estados

A maneira como os Estados interagem entre si, trocam conhecimentos e constroem relações influencia suas identidades e interesses. Esta interação pode levar à construção de identidades coletivas e à cooperação internacional. No Realismo, essas interações são vistas através da lente da competição pelo poder, onde a cooperação é difícil de alcançar e manter devido à preocupação constante com a segurança relativa. No Liberalismo, a cooperação é facilitada por instituições internacionais que mitigam os dilemas de ação coletiva e promovem a interdependência econômica.

A Perspectiva Construtivista

O Construtivismo trouxe uma nova perspectiva para o estudo das Relações Internacionais, enfatizando a importância das estruturas sociais e culturais. Ele mostra que a política internacional não é apenas sobre poder e economia, mas também sobre ideias, crenças e identidades compartilhadas. As estruturas sociais, compostas por normas e ideias compartilhadas, moldam as identidades e interesses dos estados, influenciando suas ações e interações no sistema internacional.

Enquanto o Realismo e o Liberalismo oferecem valiosas perspectivas sobre a competição pelo poder e a cooperação econômica, respectivamente, o Construtivismo destaca a importância das interações sociais e das construções ideacionais na formação da política externa. Esta abordagem permite uma compreensão mais profunda de como os Estados percebem a si mesmos e aos outros, e como essas percepções influenciam suas ações na arena internacional.

Identidade nas Relações Internacionais

De acordo com Alexander Wendt, as estruturas das associações humanas são determinadas principalmente por ideias compartilhadas, ao invés de forças materiais. As identidades e interesses dos atores intencionais são construídos por essas ideias compartilhadas, e não dadas pela natureza (Wendt, 1999, p.1). A identidade é fundamental para compreender como os Estados se vêem e interagem uns com os outros.

Tipos de Identidade

  1. Identidade Coletiva: Refere-se ao sentido compartilhado de pertencimento a um grupo maior. Bozdaglioglu afirma que a construção mútua é crucial para a manutenção das identidades sociais dos estados, que requerem aceitação e aprovação de outros estados, pois as identidades são construções mútuas (Bozdaglioglu, 2003, pp.86-87).
  2. Identidade Política: É a experiência de um ator em relação a uma relação social compartilhada, na qual pelo menos uma das partes, incluindo terceiros, é um indivíduo ou organização (Barnett, 1998, p.400). A identidade política é moldada pela interação e pelo relacionamento dos atores com outros dentro de um contexto institucional.
  3. Identidade Nacional: Segundo Katzenstein, a identidade nacional é uma forma de identidade coletiva. Ela pode ser uma fonte de conflito para grupos dentro de uma sociedade que não se consideram parte da nação e, se os padrões de interação se tornarem conflitantes, pode resultar em alguns grupos decidindo formar uma nova ou alternativa nação (Katzenstein, 2009, pp.135-136).
  4. Identidade Estatal: É a concepção de um estado sobre si mesmo, que é moldada tanto por interações externas com outros estados quanto por processos internos de socialização. As interações entre estados ajudam a definir e redefinir suas identidades e interesses (Bozdaglioglu, 2003, pp.30-31).

Identidade Coletiva nas Relações Internacionais

A identidade coletiva é um dos pilares da análise construtivista nas Relações Internacionais. Ao contrário das identidades individuais, a identidade coletiva é formada através da interação entre múltiplos atores, geralmente Estados, que compartilham características, valores e objetivos comuns. Esta identidade não é estática, mas dinâmica, evoluindo conforme as relações entre os atores se desenvolvem.

Definição de Identidade Coletiva

A identidade coletiva pode ser definida como um senso compartilhado de pertencimento a um grupo maior, onde os membros se identificam com características, valores e objetivos comuns. Bozdaglioglu descreve a identidade coletiva como um processo sistêmico que desempenha um papel significativo na emergência de normas e políticas. Ele argumenta que a prática estratégica é um dos fatores finais que afetam a formação da identidade coletiva, indicando que as decisões políticas e estratégicas de um grupo são influenciadas por essa identidade compartilhada (Bozdaglioglu, 2003, p.21).

A identidade coletiva é crucial na produção e reprodução de políticas de segurança. McSweeney destaca que a chave para entender as políticas de segurança reside no processo de reprodução da identidade coletiva (McSweeney, 2004, p.12). Quando os Estados compartilham uma identidade coletiva, eles tendem a ver as ameaças e oportunidades de maneira similar, facilitando a cooperação em questões de segurança.

A construção da identidade coletiva é um processo contínuo e complexo que ocorre através da interação social entre os Estados. McSweeney afirma que a identidade coletiva é um processo de interação dos Estados na arena internacional, proporcionando uma escola de aprendizado onde a identidade coletiva se torna relevante para a política externa (McSweeney, 2004, p.128). Este processo envolve a troca de ideias, valores e práticas que moldam a forma como os Estados se veem e veem os outros.

Leander argumenta que a identidade coletiva começa a se formar nas interações dos Estados dentro de um sistema, alcançando um ponto de inflexão onde a amizade e a cooperação passam a ser vistas como atributos do sistema em si (Leander, 2006, p.59). Isso significa que, conforme os estados interagem e cooperam, eles constroem uma identidade coletiva que facilita ainda mais a cooperação e a estabilidade no sistema internacional.

A identidade coletiva envolve características compartilhadas, mas nem todas as identidades são coletivas, pois nem todas envolvem identificação. Wendt observa que o modelo construtivista sugere que as fronteiras do “eu” estão em jogo e podem mudar na interação, de modo que, ao cooperar, os estados podem formar uma identidade coletiva (Wendt, 1999, p.317). Este processo de construção de identidade coletiva pode ser observado em várias organizações internacionais, onde os Estados membros desenvolvem um senso de identidade compartilhada através de suas interações e cooperações.

Asano argumenta que a identidade coletiva ainda está um passo além da plena compreensão. Ele observa que o processo de identificação é encontrado tanto no núcleo da cultura comunitária quanto na sociedade agregada em que o grupo está localizado (Asano, 2005, p.37). Isso sugere que a identidade coletiva não é apenas uma construção política, mas também cultural e social, refletindo as complexas interações entre os estados e suas sociedades.

Construtivismo nas Relações Internacionais  - Teoria Construtivista

Interesses Coletivos e Preservação Cultural

A perspectiva construtivista enfatiza que a identidade coletiva confere aos atores um interesse na preservação de sua cultura. Wendt argumenta que os interesses coletivos significam que os atores fazem do bem-estar do grupo um fim em si mesmo, o que, por sua vez, ajuda a superar os problemas de ação coletiva que afligem os egoístas (Wendt, 1999, p.337). Isto implica que, quando os estados compartilham uma identidade coletiva, eles estão mais inclinados a cooperar e a buscar o bem-estar do grupo como um todo.

Esta identidade coletiva é, portanto, essencial nas interações e relações entre os Estados. Ela facilita a cooperação, promove a estabilidade e ajuda a resolver conflitos de maneira pacífica. Além disso, a identidade coletiva pode servir como uma base para a construção de alianças e parcerias internacionais duradouras, que são fundamentais para a segurança e a prosperidade global.

Normas e Ideias no Construtivismo nas Relações Internacionais

O construtivismo destaca a importância das normas e ideias na formação das identidades e interesses dos Estados. As normas são expectativas coletivas sobre o comportamento apropriado de atores com uma identidade específica. Elas podem ser formais, como tratados e leis, ou informais, como costumes e práticas aceitas. Existem três tipos principais de normas: normas constitutivas, que definem a identidade dos atores e o que significa ser um membro legítimo da comunidade internacional; normas regulativas, que orientam o comportamento dos atores, estabelecendo padrões de conduta apropriados; e normas prescritivas, que estabelecem obrigações e deveres que os atores devem cumprir.

As ideias referem-se às crenças e concepções que os atores têm sobre o mundo e sobre si mesmos. Elas incluem ideologias, teorias e valores que moldam a percepção e a ação dos estados. As ideias influenciam a forma como os Estados interpretam as normas e tomam decisões, sendo essenciais na construção de narrativas e discursos que justificam ações políticas.

Vários analistas contribuem para a compreensão do papel das normas e ideias no construtivismo. Alexander Wendt, em sua “Teoria Social da Política Internacional”, argumenta que as normas e ideias são centrais para a construção da identidade e dos interesses dos Estados. Ele sugere que a anarquia no sistema internacional não é inerentemente conflituosa, mas depende das normas e ideias que os Estados compartilham, podendo transformar a anarquia em um sistema de cooperação.

Peter J. Katzenstein explora como as normas culturais influenciam as políticas de segurança dos Estados. Ele argumenta que as identidades nacionais, moldadas por normas culturais, são fundamentais para entender os interesses e comportamentos dos estados. Ele enfatiza que as normas são cruciais na formação das identidades, que por sua vez moldam os interesses nacionais, e que mudanças nas normas podem levar a mudanças significativas nas políticas de segurança.

Martha Finnemore, em “National Interests in International Society”, argumenta que as normas internacionais têm o poder de transformar as políticas domésticas e internacionais. Ela destaca como organizações internacionais promovem normas que alteram o comportamento estatal, influenciando a construção de estados e promovendo mudanças nas instituições e práticas internas.

Nicholas Onuf propõe que as regras, uma forma de normas, são fundamentais para a construção da realidade social. Ele argumenta que as normas regulam o comportamento dos atores e constituem suas identidades, destacando o papel das ideias na formação das normas e sugerindo que a linguagem e o discurso são ferramentas poderosas na construção da realidade internacional.

Por exemplo, as normas de direitos humanos são um exemplo claro de como as ideias podem moldar a política internacional. A promoção e a proteção dos direitos humanos tornaram-se uma norma internacional amplamente aceita, influenciando a política externa de muitos estados. Organizações internacionais, como a ONU, têm sido fundamentais na promoção dessas normas, alterando a forma como os estados tratam seus cidadãos e interagem uns com os outros.

A ideia de soberania é uma norma constitutiva que define os Estados como atores soberanos no sistema internacional. Esta norma molda a maneira como os Estados se relacionam e resolvem conflitos. A soberania também evoluiu com o tempo, adaptando-se a novas ideias e desafios, como a responsabilidade de proteger (R2P), que estabelece a obrigação dos estados de proteger suas populações de atrocidades em massa.

Conclusão

O construtivismo é uma teoria que trouxe uma nova perspectiva para o estudo das Relações Internacionais, destacando a importância das ideias, normas e identidades na formação das ações e interações dos Estados. Em contraste com o Realismo e o Liberalismo, que se concentram em fatores materiais como poder e instituições, o Construtivismo argumenta que a realidade internacional é, em grande parte, socialmente construída.

Ao enfatizar a construção social das relações internacionais, o Construtivismo permite uma compreensão mais rica e dinâmica das dinâmicas globais. Ele destaca que os Estados não agem apenas com base em interesses fixos e racionais, mas que suas ações são moldadas por normas compartilhadas, identidades em evolução e ideias predominantes. Essa perspectiva é crucial para entender como os Estados respondem às mudanças sociais, políticas e culturais no cenário internacional.

A teoria construtivista também nos ajuda a perceber que a política internacional não é uma arena estática e imutável. As identidades e normas podem mudar, e com elas, os comportamentos e interesses dos Estados. Isso é particularmente importante em um mundo em constante transformação, onde novos desafios e oportunidades surgem regularmente. Ao reconhecer o papel central das ideias e identidades, o Construtivismo oferece ferramentas para analisar e interpretar essas mudanças de maneira mais eficaz.

Além disso, o Construtivismo destaca a importância da interação e cooperação entre os Estados. Ao contrário das visões mais tradicionais que veem a anarquia internacional como inerentemente conflituosa, o Construtivismo mostra que as interações sociais podem levar à construção de identidades coletivas e à promoção da cooperação. Isso é fundamental para a construção de uma ordem internacional mais estável e pacífica.

Em suma, o Construtivismo não só complementa as teorias tradicionais das Relações Internacionais, mas também oferece uma crítica poderosa às suas limitações. Ele nos lembra que, para entender plenamente o comportamento dos Estados, devemos considerar não apenas seus recursos materiais, mas também as ideias, normas e identidades que os moldam. Ao fazer isso, o Construtivismo nos proporciona uma visão mais completa e esclarecedora do sistema internacional e dos complexos processos que o compõem.

Referências

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Guilherme Bueno
Guilherme Bueno
esri.net.br

Sou analista de Relações Internacionais. Escolhi Relações Internacionais como minha profissão e sou diretor da ESRI e editor da Revista Relações Exteriores. Ministro cursos, realizo consultoria e negócios internacionais. Gosto de escrever e já publiquei algumas centenas de posts e análises.

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