O termo Teoria Crítica foi cunhado por Max Horkheimer, que fez uma distinção com a teoria tradicional baseada em um propósito prático específico: uma teoria é “crítica” na medida em que busca a “emancipação humana da escravidão”, atua como uma influência “libertadora” e trabalha “para criar um mundo que satisfaça as necessidades e poderes” dos seres humanos (Horkheimer 1972, 246).
A teoria crítica não é uma única teoria, mas sim um conjunto amplo de teorias como o neomarxismo, feminismo, pós-modernismo e pós-colonialismo. Essas diferentes teorias se inspiram em fontes diversas como Hegel, Marx e Foucault e buscam explicar vários aspectos da política mundial. Apesar das diferenças em foco e tema de estudo, essas teorias se unem em (i) seu compromisso com a metodologia pós-positivista e, (ii) em grande parte, seu compromisso com a mudança e a emancipação de pessoas e/ou classes subjugadas na sociedade.
Os teóricos críticos são céticos em relação ao positivismo como método para adquirir conhecimento. Eles acreditam que o conhecimento não pode ser objetivo e, ao invés disso, defendem a unidade entre sujeito e objeto, assumindo que o conhecimento não pode ser independente do contexto social. Portanto, criticam a forma positivista de enquadrar objetos em binários como É vs Deveria, Fato vs Valor e Objetivo vs Subjetivo. Em contraste com as teorias racionalistas de RI, a teoria crítica busca “interrogar as fontes de exclusão, violência e subjugação e elaborar estratégias radicais para resistir a tal dominação” (Steven Roach 2020: 01). Para isso, os teóricos críticos utilizam abordagens pós-positivistas que consideram o contexto social e o aspecto normativo da vida social.
Evolução da Teoria Crítica no Contexto do Marxismo
No contexto do marxismo, a teoria crítica evoluiu em duas correntes: a primeira representada pela Escola de Frankfurt, especialmente por Jurgen Habermas, e a segunda pelo ativista e teórico italiano Antonio Gramsci. A Escola de Frankfurt foi estabelecida em 1923 como Instituto de Pesquisa Social na Universidade Goethe, em Frankfurt, Alemanha, para estudar o marxismo. Quando o partido nazista chegou ao poder na Alemanha, o instituto foi forçado a se mudar para Paris. Com a invasão da França pela Alemanha, o instituto finalmente se transferiu para a Universidade Columbia na cidade de Nova York em 1935. O ensaio de Max Horkheimer “Teoria Tradicional e Crítica” (1937) é considerado um trabalho de definição de agenda da escola. Nesse ensaio, ele argumentou que as teorias tradicionais “se contentam em descrever as instituições sociais existentes mais ou menos como são, e suas análises têm o efeito indireto de legitimar práticas sociais repressivas e injustas como naturais ou objetivas” (Wolin 2020). Em contraste, “através de sua compreensão detalhada do contexto histórico e social mais amplo em que essas instituições funcionam”, a teoria crítica “exporia as falsas alegações do sistema à legitimidade, justiça e verdade” (Wolin 2020).
Jurgen Habermas foi o filósofo mais influente da segunda geração de pensadores da Escola de Frankfurt. Suas ideias tiveram um impacto duradouro no desenvolvimento da teoria crítica das RI. Sua teoria da ação comunicativa e ética do discurso são centrais para a teoria crítica das RI. Habermas criticou o método positivista de aquisição de conhecimento nas ciências sociais. Ele acreditava que o conhecimento adquirido pelo positivismo serve ao propósito de controle social, enquanto o verdadeiro propósito do conhecimento deve ser a emancipação humana. Ele criticou Karl Marx por ignorar a importância da comunicação no desenvolvimento da consciência de classe entre o proletariado e na compreensão de sua relação com outras classes. Para esse fim, desenvolveu uma teoria da ação comunicativa que se tornou a base da Escola de Frankfurt nas RI. A comunicação, significando “o uso da linguagem e a manipulação de símbolos”, facilita a aprendizagem coletiva e a construção de conhecimento intersubjetivo.
Desenvolvimentos na Teoria Crítica de RI
Andrew Linklater e Mark Hoffman são duas figuras proeminentes que desenvolveram a teoria crítica das RI com base nas ideias e conceitos da Escola de Frankfurt. Linklater utilizou a teoria da ação comunicativa e a ética do discurso de Habermas para desenvolver uma perspectiva diferente na política mundial e avançar novas agendas de pesquisa. Utilizando esses conceitos, ele procurou iniciar um diálogo entre cidadãos de diferentes países para entender as condições sob as quais a justiça global pode ser alcançada. Linklater vislumbra uma teoria crítica “que analisa as perspectivas para a emancipação universal” (Linklater 1990: 04). Ele identificou três funções centrais da teoria crítica. Primeiro, com base em conceitos como liberdade e universalidade, deve construir uma ordem mundial alternativa. Segundo, a teoria crítica deve identificar barreiras significativas no caminho para o desenvolvimento de tal ordem mundial alternativa. Terceiro, para desenvolver uma nova ordem mundial, a teoria crítica deve trabalhar para teorizar uma ‘prática emancipatória’. Ele afirma que nem o método positivista do realismo nem o determinismo econômico do marxismo sozinho podem servir a esse propósito da teoria crítica. Portanto, ele argumenta a favor de ir além do marxismo e do realismo.
A emancipação é um tema central nos escritos de Linklater. Ele investiga como e em que medida o estado e o sistema estatal facilitam ou negam as possibilidades de emancipação humana. Segundo ele, o estado é uma forma de comunidade política inclusiva e exclusiva. É inclusiva porque, ao conceder igual valor a cada cidadão, estende direitos iguais a todos os cidadãos. Ao mesmo tempo, também é exclusiva porque nega igual valor a estrangeiros e forasteiros. O projeto emancipatório da teoria crítica destaca os limites do estado como uma comunidade política. Como Habermas, Linklater acredita que os indivíduos têm uma identidade moral dupla; uma como cidadão dos estados e outra como cidadão potencial do mundo. A teoria crítica “investiga as perspectivas para uma nova forma de comunidade política na qual indivíduos e grupos possam alcançar níveis mais elevados de liberdade e igualdade” (Linklater 2007: 45). Linklater argumenta a favor da transformação da comunidade política do estado para uma nova forma de democracia baseada na cidadania cosmopolita. Ele também destaca a necessidade de múltiplas esferas públicas para debates e discussões na nova forma de uma boa sociedade.
Contribuições da Teoria Crítica de RI
Linklater identificou quatro realizações da teoria crítica das Relações Internacionais. Primeiro, a teoria crítica é profundamente cética em relação ao método positivista e sua suposição de que o conhecimento não está situado no contexto social, e os pesquisadores podem alcançar esse conhecimento através do engajamento neutro com os objetos. Confiando em métodos pós-positivistas, os teóricos críticos convidam os pesquisadores a utilizarem técnicas interpretativas, históricas e intersubjetivas para adquirir conhecimento. Segundo, ao contrário das teorias racionalistas de RI, que assumem que as estruturas são imutáveis, a teoria crítica acredita que a estrutura é mutável. Acusa aqueles que afirmam que a estrutura é imutável de querer manter o status quo e perpetuar a disparidade de riqueza e poder na política mundial. Terceiro, a teoria crítica “aprende com e supera as fraquezas inerentes ao marxismo”. Para descobrir a base da exclusão, a teoria crítica vai além da concepção marxista de classe. Eles também consideram o estado como uma base de exclusão porque, com base na cidadania, o estado inclui uma pequena parte das pessoas como cidadãos enquanto exclui uma grande parte como não-cidadãos. Por fim, ao contrário das teorias racionalistas que julgam a capacidade do estado em termos de capacidade material (poder econômico e força militar), a teoria crítica julga um “arranjo social (pode ser estado ou democracia cosmopolita) por sua capacidade de abraçar um diálogo aberto com todos os outros” pessoas. A Teoria Crítica acredita em usar “discurso para determinar a significância moral das fronteiras nacionais” de um estado (Linklater 2007: 46). As duas primeiras realizações da teoria crítica baseiam-se no uso de ferramentas e ideias marxistas para desafiar as abordagens racionalistas de RI, enquanto as duas últimas na crítica do marxismo para desenvolver a teoria crítica como uma teoria adequada da política mundial.
Resumo da Teoria Crítica em RI
- Questionamento das Estruturas de Poder – A Teoria Crítica desafia a legitimidade das estruturas de poder estabelecidas, expondo suas falhas e propondo mudanças radicais para alcançar a justiça e a igualdade.
- Enfoque na Comunicação e Diálogo – A importância da comunicação e do diálogo é central na Teoria Crítica, especialmente na promoção da compreensão e cooperação globais.
- Rejeição do Positivismo – Ao rejeitar o positivismo, a Teoria Crítica adota uma abordagem mais holística e contextualizada do conhecimento, levando em conta os aspectos normativos e sociais da vida.
Emancipação como Objetivo Final – A emancipação de indivíduos e grupos subjugados é o objetivo final da Teoria Crítica, refletindo seu compromisso com a criação de um mundo mais justo e equitativo.
Leituras e Referências
- Horkheimer, Max. Critical Theory: Selected Essays. Continuum Publishing, 1972.
- Habermas, Jürgen. The Theory of Communicative Action, Vol. 1: Reason and the Rationalization of Society. Beacon Press, 1984.
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- Linklater, Andrew. Beyond Realism and Marxism: Critical Theory and International Relations. Palgrave Macmillan, 1990.
- Linklater, Andrew. Critical Theory and World Politics: Citizenship, Sovereignty and Humanity. Routledge, 2007.
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