O advento da paradiplomacia marca uma evolução significativa nas relações internacionais, refletindo a dinâmica complexa de um mundo cada vez mais globalizado.
A paradiplomacia, ou diplomacia subnacional, emerge como uma resposta adaptativa aos desafios e oportunidades gerados pela intensificação da globalização, especialmente após o fim da Guerra Fria no início dos anos 1990. Este período testemunhou uma reconfiguração da ordem mundial, caracterizada por uma multiplicidade de atores não estatais e subnacionais assumindo papéis anteriormente dominados por estados-nação.
Autores como Ivo Duchacek, em suas obras dos anos 80, já apontavam para a crescente importância dos entes subnacionais no palco global. No entanto, foi após a Guerra Fria, com a globalização em ascensão, que a paradiplomacia ganhou força, marcando um novo capítulo na diplomacia internacional. Duchacek destacou a necessidade de reconhecer a capacidade dos governos locais e regionais de se engajarem diretamente em relações internacionais, um conceito que ganhou validade prática à medida que a economia mundial se tornava cada vez mais interconectada.
Exemplos significativos dessa tendência incluem a participação ativa de cidades e regiões em redes globais como a C40, que reúne grandes cidades do mundo para enfrentar as mudanças climáticas, e a Assembleia das Regiões da Europa (ARE), que promove a cooperação inter-regional na Europa. Além disso, regiões como a Catalunha na Espanha e Quebec no Canadá têm buscado estabelecer laços diretos com parceiros internacionais para promover seus interesses econômicos, culturais e políticos, ilustrando a crescente autonomia subnacional em assuntos globais.
A emergência da paradiplomacia é também um reflexo da evolução das noções de soberania e governança. O reconhecimento de que os entes subnacionais possuem não apenas a capacidade, mas também o direito de buscar relações internacionais, aponta para uma compreensão mais matizada da soberania no século XXI. Este fenômeno sugere uma tendência crescente de descentralização da diplomacia, onde a governança global é cada vez mais caracterizada pela participação de uma diversidade de atores.
Em resumo, a ascensão da paradiplomacia reflete as transformações fundamentais nas relações internacionais pós-Guerra Fria. Ela evidencia uma era onde a interdependência global, a multiplicação de atores no cenário internacional e a complexidade dos desafios globais exigem um modelo de diplomacia mais inclusivo e multifacetado. A paradiplomacia, portanto, não apenas enriquece o tecido das relações internacionais, mas também destaca a adaptabilidade das estruturas políticas e sociais à dinâmica de um mundo em constante mudança.
Minicurso de Paradiplomacia
Conceitos e Exemplos de Paradiplomacia pelo Mundo
Exemplos reais da paradiplomacia em ação incluem a cidade de São Paulo, que se juntou à Rede C40 de Cidades pelo Clima para combater as mudanças climáticas, e a região da Catalunha, na Espanha, que estabeleceu seu próprio escritório de representação na União Europeia em Bruxelas. Ambos os casos demonstram como entidades subnacionais podem utilizar a paradiplomacia para abordar questões específicas que afetam diretamente seus cidadãos, desde a proteção ambiental até a promoção de interesses econômicos e culturais.
Além disso, a paradiplomacia permite a criação de estratégias diversificadas de interação com órgãos internacionais, abrindo canais para cooperação em áreas como desenvolvimento econômico, intercâmbios culturais e acadêmicos, saúde pública e esportes. Um exemplo notável é a província de Quebec, no Canadá, que tem longa tradição em paradiplomacia, estabelecendo laços culturais e educacionais com a França, além de promover seus interesses econômicos e lingüísticos no cenário internacional.
Autores como Rodrigo Tavares têm aprofundado o estudo da paradiplomacia, destacando seu papel crucial no fortalecimento da governança global. Tavares enfatiza como a paradiplomacia não apenas complementa a diplomacia tradicional, mas também oferece novas dimensões para o engajamento internacional, possibilitando que as regiões explorem nichos de cooperação que são muitas vezes negligenciados pela política externa nacional.
Em resumo, a paradiplomacia representa uma inovadora frente de ação para o desenvolvimento regional, permitindo que governos locais e regionais atuem de forma proativa no cenário internacional para atender às necessidades específicas de suas comunidades. Ao fazer isso, eles não apenas contribuem para o bem-estar de seus cidadãos, mas também para a construção de um sistema internacional mais diversificado e cooperativo.
Aplicações da paradiplomacia
A paradiplomacia é um campo multifacetado que se estende além das fronteiras tradicionais da diplomacia, incorporando uma gama diversificada de atividades em várias esferas de atuação. Além dos aspectos econômicos, políticos e culturais já listados, a paradiplomacia também se manifesta em outras dimensões:
ECONOMIA
- Desenvolvimento de Clusters Tecnológicos: Estabelecimento de parques tecnológicos e clusters de inovação por meio de parcerias internacionais, atraindo talentos e promovendo o intercâmbio de conhecimento.
- Integração de Cadeias Produtivas Globais: Colaboração com outras regiões para integrar as cadeias de suprimentos locais em redes de produção mais amplas, melhorando a competitividade.
POLÍTICA
- Gestão Ambiental Conjunta: Projetos compartilhados de sustentabilidade e gestão de recursos naturais que ultrapassam fronteiras nacionais, como acordos para proteção de bacias hidrográficas.
- Segurança e Vigilância Transfronteiriça: Cooperação em segurança regional, visando combater o crime organizado, tráfico e outras questões de segurança que requerem uma resposta coordenada.
CULTURA
- Intercâmbio Acadêmico e Científico: Estabelecimento de parcerias entre universidades e centros de pesquisa para facilitar o intercâmbio de estudantes e acadêmicos, bem como projetos de pesquisa conjunta.
- Promoção de Patrimônio Comum: Iniciativas para preservar e promover patrimônios culturais compartilhados, que podem incluir práticas, idiomas ou tradições que transcendem as fronteiras nacionais.
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
- Parcerias em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D): Colaboração com entidades internacionais para o desenvolvimento de tecnologias avançadas em setores como biotecnologia, energia renovável e TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação).
- Smart Cities: Desenvolvimento de cidades inteligentes através da adoção de tecnologias sustentáveis e inovadoras, muitas vezes em parceria com empresas e governos estrangeiros.
SAÚDE PÚBLICA
- Redes de Saúde Global: Participação em redes de saúde para combater pandemias e doenças transmissíveis, compartilhando recursos, conhecimento e práticas eficazes.
- Programas de Saúde Pública: Implementação de programas conjuntos de saúde pública com foco em nutrição, vacinação e educação sanitária, beneficiando regiões transfronteiriças.
Essas diversas facetas da paradiplomacia mostram como governos subnacionais podem utilizar uma ampla gama de recursos e estratégias para interagir com o mundo além de suas fronteiras, buscando soluções inovadoras e colaborativas para desafios compartilhados. Ao engajar-se na paradiplomacia, entidades subnacionais não só reforçam suas próprias capacidades, mas também contribuem significativamente para a governança global e para o desenvolvimento sustentável.
Paradiplomacia, diplomacia e protodiplomacia
No intrincado tabuleiro das relações internacionais, diversos atores e métodos de interação entre entidades políticas emergem para cumprir objetivos distintos no cenário global. A diplomacia tradicional, a paradiplomacia e a protodiplomacia representam três abordagens diferenciadas dessas interações, cada uma com seus próprios atores, objetivos e métodos. Enquanto a diplomacia é o meio mais estabelecido de conduzir relações entre nações soberanas, a paradiplomacia e a protodiplomacia ilustram as nuances do poder e influência no âmbito subnacional e entre entidades que buscam reconhecimento ou autonomia.
A tabela a seguir explora as características distintas dessas formas de interação, oferecendo uma visão comparativa que destaca suas singularidades e intersecções.
Aqui está uma tabela comparativa entre paradiplomacia, protodiplomacia e diplomacia:
Característica | Paradiplomacia | Protodiplomacia | Diplomacia |
---|---|---|---|
Definição | Atuação internacional de entidades subnacionais, como estados e municípios, em áreas de sua competência. | Esforços diplomáticos de entidades não reconhecidas como estados para alcançar independência ou reconhecimento internacional. | Prática oficial de negociação e manutenção de relações entre nações soberanas. |
Ator | Governos locais ou regionais. | Movimentos ou entidades que buscam reconhecimento ou autonomia política. | Estados-nação reconhecidos e suas representações oficiais, como embaixadores. |
Objetivo | Promoção de interesses econômicos, culturais e políticos subnacionais. | Estabelecer uma presença e legitimidade internacional para uma causa ou identidade política. | Manutenção da paz, promoção de interesses nacionais, cooperação econômica, cultural e política. |
Legalidade | Operações dentro do quadro legal nacional, sem violar a soberania do Estado. | Atividades podem operar em uma área cinzenta de legalidade internacional. | Atividades sancionadas por tratados internacionais e princípios de direito internacional. |
Exemplos | Cidades-irmãs, acordos comerciais regionais, redes de cidades globais como a C40. | Kosovo antes do reconhecimento, Taiwan dependendo do contexto internacional. | Tratados de paz, acordos comerciais globais, conferências diplomáticas internacionais. |
Reconhecimento | Não busca reconhecimento como entidade soberana, atua sob a jurisdição do governo central. | Busca reconhecimento ou status político, podendo aspirar à soberania ou maior autonomia. | Baseada no reconhecimento mútuo de soberania entre os estados participantes. |
Exercício de Poder | Limitado pela constituição e leis nacionais, pode ser informal ou baseado em acordos de cooperação. | Pode ter uma natureza mais unilateral em esforços para estabelecer relações internacionais. | Poder formal e legalmente reconhecido para negociar e celebrar acordos vinculativos em nome do Estado. |
Enfoque | Geralmente focado em questões práticas e desenvolvimento regional. | Focado na obtenção de status político e direitos de entidades subnacionais ou grupos. | Amplo, abrangendo segurança, comércio, direitos humanos, meio ambiente e outras questões globais. |
Esta tabela destina-se a proporcionar um entendimento básico das diferenças entre essas formas de interação internacional. A complexidade dessas práticas, no entanto, pode variar consideravelmente com base no contexto específico e na evolução das relações internacionais.
Cidades e suas relevâncias no Mundo
Muitas cidades vão exercer grande influência no mundo, tendo em muitos casos relevâncias maiores que a muitos países. Para compreender como as dimensões das cidades podem influenciar as suas relações como o mundo, elaborei um quadro relacionado o tipo e cidade e suas características.
Confira:
Tipo de Cidade | Grau de Influência | Características | Exemplos de Cidades |
---|---|---|---|
Cidades Globais | Alta | Centros de influência econômica, cultural e política com significativo alcance internacional. | Nova York, Londres, Tóquio |
Cidades Metropolitanas | Média-Alta | Grandes centros urbanos que exercem influência significativa dentro de uma região metropolitana. | Chicago, Barcelona, São Paulo |
Cidades Regionais | Média | Centros urbanos que servem como ponto de conexão e influência dentro de uma região geográfica específica. | Atlanta, Manchester, Porto Alegre |
Cidades Nacionais | Média-Baixa | Centros urbanos importantes dentro de um país, frequentemente capitais ou cidades de grande porte econômico. | Brasília, Canberra, Oslo |
Cidades Secundárias | Baixa-Média | Cidades menores que possuem influência limitada a uma área imediata ou a nichos específicos. | Boulder, Ghent, Florianópolis |
Cidades Pequenas | Baixa | Cidades que têm influência local e não exercem grande impacto fora de sua área imediata. | Mariana, Lucca, Ouro Preto |
Cidades de Fronteira | Variável, dependendo da posição estratégica e relações bilaterais | Cidades localizadas em fronteiras nacionais que podem ter influência significativa em questões transfronteiriças. | Tijuana, Foz do Iguaçu, Shenzhen |
Esses exemplos são representativos do status de cada tipo de cidade no contexto global e regional. Vale ressaltar que a classificação de uma cidade pode evoluir com base em desenvolvimentos econômicos, sociais e políticos.
Essa classificação é um modelo generalizado e pode variar de acordo com critérios específicos como população, PIB, conectividade, patrimônio cultural e políticas locais. Além disso, a influência de uma cidade pode mudar ao longo do tempo devido a fatores econômicos, políticos e sociais.
Cidades Globais e a Paradiplomacia
O conceito de “cidades globais” refere-se a centros urbanos que possuem um significativo impacto a nível mundial, nas esferas econômica, política, social e cultural. Estas cidades são consideradas cruciais para a economia global devido à sua influência em redes financeiras internacionais, comunicações, comércio, arte, moda e inovação. Elas são também nodos centrais na globalização, servindo como pontos de conexão para fluxos de pessoas, capitais, informações e recursos ao redor do mundo.
A teoria das cidades globais foi desenvolvida e popularizada pela socióloga Saskia Sassen em seu trabalho seminal, “The Global City: New York, London, Tokyo” (1991). Sassen argumenta que as cidades globais não são apenas grandes centros urbanos de poder e riqueza, mas também locais onde se concentram as funções de comando e controle da economia mundial. Elas abrigam os quartéis-generais de corporações multinacionais, bancos de investimento, mercados de ações influentes e uma infraestrutura legal e financeira complexa que gerencia o capital global.
Nova Iorque, especificamente, é frequentemente citada como um exemplo emblemático de cidade global. Ela abriga a Bolsa de Valores de Nova Iorque (NYSE), um dos maiores e mais influentes mercados de ações do mundo, além de sediar a sede das Nações Unidas, o que a coloca no coração da diplomacia e da governança global. A cidade é também um caldeirão cultural, líder em moda, arte, design e entretenimento, refletindo sua posição como um importante ponto de encontro para a troca cultural e a inovação global.
Saskia Sassen descreve Nova Iorque como um exemplo primordial de cidade global, onde “a materialidade da economia global torna-se visível” (Sassen, 1991). A cidade exemplifica como centros urbanos podem exercer influência significativa além de suas fronteiras geográficas, moldando e sendo moldados pelos dinâmicos processos da globalização.
Paradiplomacia: causa e consequências
A maior causa da concretização da paradiplomacia não pode ser outra a não ser a Globalização e seus discorrimentos que “diminuíram” as distâncias dos países e obrigaram a intensificação das relações em todas as esferas para a permanência da convivência pacífica entre as nações.
Nessa nova dinâmica global, não havia outra ocorrência a não ser o surgimento natural de outros mecanismos que acompanhassem essa exigência global de novos jeitos de se conectar e estreitar laços socioeconômicos e políticos, tornando a paradiplomacia algo concreto.
É válido ressaltar que a diplomacia paralela já existia antes desse contexto de mundo globalizado, entretanto é na explosão dessas novas necessidades e formas de pensar que a paradiplomacia começa a atuar com mais ênfase nos entes subnacionais ao redor do globo.
Um caso paradiplomático antes da globalização, na Guerra Fria, foram os democratas-cristãos da Alemanha Ocidental. Enquanto esse grupo esteve fora do poder da região, eles se aproximaram de países comunistas, conseguindo manter relações com essas nações, diferentemente de quem estava no governo.
As consequências de uma paradiplomacia bem executada, com um plano de ação visando as necessidades e oportunidades, só podem ser positivas. Logo, mediante diversas formas de conexão, cabe ao governo local não ignorar as relações internacionais e buscar meios para a realização de tais.
Agindo dessa forma, os entes subnacionais podem atingir um alto envolvimento com atores estrangeiros, o que ocasiona até mesmo a interdependência dessas regiões. Um exemplo muito concreto disso é a Rede de Mercocidades, que desde 1995 vem sendo uma teia de cooperação horizontal integrada, como eles mesmo se definem, e possui atualmente 341 cidades de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile,
Bolívia, Equador, Colômbia e Peru, que juntas potencializam as trocas de experiências entre os municípios.
Importância do debate sobre Paradiplomacia
A paradiplomacia, nos tempos atuais, já deveria exercer papel fixo no plano base de trabalho de municípios e unidades federativas, entretanto, em solo brasileiro, o debate dessa poderosa ferramenta ainda rodea somente os acadêmicos de Relações Internacionais. Além disso, o estigma de que apenas cidades grandes são capazes de aplicar essa política ainda existe, o que impede o crescimento desse mecanismo na máquina pública como um todo.
O primeiro passo para mudarmos o fluxo dessa corrente é popularizar a paradiplomacia por meios legítimos de comunicação. Divulgar nas escolas, centros acadêmicos, nas Assembleias e sindicatos é de extrema importância para colocar o tema na esfera social, da mais alta a mais baixa classe financeira. Porém, mais importante do que todas essas ações, é preciso cobrar as administrações públicas para que tomem ações que coloquem sua região no mapa global, e que a paradiplomacia seja colocada em pauta para a resolução de qualquer tipo de problema, não somente os econômicos.
Esse movimento de colaboração da sociedade civil aderido à gestão pública pode gerar uma associação benéfica para ambas as partes caso ocorra do início ao fim do projeto. Ou seja, a cobrança deve vir desde as campanhas eleitorais, exigindo do candidato um plano concreto de ações, e deve seguir sendo acompanhado durante todo mandato. É a população quem gera a demanda das ações a serem executadas por meio do governo.
A paradiplomacia no Brasil
A Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 84, confere ao Presidente da República prerrogativas exclusivas na condução da política externa, incluindo a manutenção de relações com Estados estrangeiros e a celebração de tratados internacionais, sujeitos à aprovação do Congresso Nacional. Contudo, a mesma Carta Magna também estabelece um sistema federativo de repartição de competências, que permite aos entes subnacionais – estados e municípios – exercerem autonomia em questões de interesse próprio.
Embora a Constituição não mencione expressamente a paradiplomacia, ela não proíbe os entes federativos de desenvolverem relações internacionais, desde que essas ações estejam em consonância com as diretrizes da política externa nacional e respeitem as competências exclusivas da União. Nesse contexto, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, atua como mediadora, planejando e supervisionando projetos de cooperação técnica e humanitária, facilitando o engajamento internacional dos entes subnacionais em conformidade com os objetivos nacionais.
A prática da paradiplomacia no Brasil encontra respaldo no princípio constitucional da autonomia dos entes federativos (artigo 18 da CF/88), que, dentro de suas competências legislativas e executivas, podem buscar a integração com outros países e entidades internacionais em assuntos de interesse regional. Essa autonomia é corroborada pela competência ambiental comum (artigo 23 da CF/88), que exemplifica como estados e municípios podem atuar em questões transfronteiriças, e pelo interesse local (artigo 30 da CF/88), justificando a cooperação internacional direta em áreas como turismo, cultura e desenvolvimento econômico.
Historicamente, apesar das tentativas legislativas de formalização da paradiplomacia, como as propostas de emenda constitucional de 2005 e 2006, a prática já é realidade nos municípios e estados brasileiros que buscam na cooperação internacional formas de promover desenvolvimento local e regional. Exemplos incluem a atuação de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro em redes globais de cidades e a participação de estados em fóruns internacionais, demonstrando a relevância prática da paradiplomacia no Brasil, mesmo sem uma legislação específica que a regulamente.
ATUAÇÃO INTERNACIONAL
De acordo com pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), em 2009, mais de 60% dos governantes locais, quando perguntados se tinham interesse em atuar internacionalmente, afirmaram que sim, entretanto apenas 3% atuavam de fato. Esses dados indicam que mesmo com a participação internacional de entes subnacionais sendo uma tendência entre os governos locais, a proposta só consegue sair do papel nas grandes capitais do país, haja visto que estas possuem maior infraestrutura e capital social, político, logístico e organizacional para tal.
Entretanto, como dito anteriormente nos parágrafos da importância do debate, é justamente esse estigma que deve ser quebrado, pois qualquer região possui potencial de conexão com entidades internacionais, e pode ser justamente essa lacuna na organização local um dos fatores comprometedores para o desenvolvimento rápido da região. O Brasil e seus governantes devem entender que nossa nação possui um potencial de exportação muito maior que apenas commodities e mostrar ao mundo os diferentes recursos que o país pode oferecer culturalmente, socialmente e em diversas outras áreas, aproveitando a característica multicultural e étnica que herdamos da história.
De maneira geral, os municípios brasileiros focam em quatro áreas de ampla atuação: captação de recursos, cooperação internacional e promoção comercial e econômica. Entretanto, muitas das ações ocorrem isoladas, sem um plano de longo prazo. A solução para formatar as estruturas dessas relações é a institucionalização do mecanismo, ou seja, a criação de um órgão local responsável somente por essa área, legitimando a paradiplomacia, pois exclui o fator da alternância de poder, haja visto que mesmo com governos subnacionais com ideologias diferentes, a paradiplomacia continuará suas atividades na região, além de fornecer muito mais transparência aos projetos que estão sendo desenvolvidos. Somente com essa institucionalização, a paradiplomacia pode ser, de fato, parte da agenda dos governos locais.
Agora, será exposta a atuação paradiplomática nas duas cidades que mais utilizam essa ferramenta, Porto Alegre e São Paulo, respectivamente.
Primeiramente, Porto Alegre foi município pioneiro na institucionalização da estrutura de relações internacionais com a criação da Secretaria Extraordinária de Captação de Recursos e Cooperação Internacional em 1996, que possibilitou negociação direta com entes internacionais, sendo a captação de recursos, a atividade chave da instituição. Atualmente, no que confere a relações internacionais, a cidade possui a Coordenação de Relações Internacionais e Federativas (CRIF) trabalhando diretamente com a identificação de demandas da sociedade e a conseguinte elaboração de projetos.
Já São Paulo é um exemplo a ser seguido, cidade global amplamente conectada com agentes internacionais. Possui o Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores (ERESP) e a Secretaria de Relações Internacionais, que juntas atuam em muitos âmbitos internacionais, colocando São Paulo como uma das maiores cidades no mapa global, principalmente como símbolo urbano e de turismo corporativo. Hoje em dia, esses órgãos possuem diversas Coordenações que assumem diferentes tarefas, como assuntos bilaterais, multilaterais, missões, projetos especiais e muitos outros, além de possuir canais de comunicação claros que divulgam tudo que vem sendo feito para a população e promovem o debate com a mesma.
Todavia, mesmo com órgãos institucionalizados fortes, o maior problema da agenda dessas entidades continua sendo a troca de governo, pois as diferentes ideologias do gabinete executivo acaba, por muitas vezes, dando descontinuação para diversos projetos que poderiam beneficiar a cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dito os fatos, não se pode atribuir menos a paradiplomacia do que um lugar de destaque na estante das principais políticas públicas de um ente subnacional. A necessidade de se conectar com a rede global é algo fundamental para o desenvolvimento saudável de uma região. Mas para tal, cabe essencialmente a sociedade civil, a inquietação e cobrança mediante administrações públicas que não exerçam o mecanismo da paradiplomacia. Sendo que nas terras tupiniquins, essa ferramenta, ainda muito recente, já se mostra uma tendência, mesmo sem ainda possuir respaldo legislativo, o que cria a urgência da institucionalização de entidades que normalizem essa política.
Livros e Artigos para estudar Paradiplomacia
obras importantes que abordam o tema da paradiplomacia, especialmente no contexto brasileiro:
- MATSUMOTO, Carlos Eduardo Higa. “As determinantes locais da paradiplomacia: O caso dos municípios brasileiros.” Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, Universidade de Brasília (UnB), 2011.
- FERREIRA, Diandra Schatz. “Paradiplomacia nas cidades brasileiras: elementos impulsionadores internos.” Trabalho de Conclusão de Curso em Relações Internacionais, Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 2020.
- MORAIS, Maria Cezilene Araújo de. “Paradiplomacia no Brasil: Uma Abordagem sobre a Inserção Internacional de Municípios Paraibanos a partir do Programa Plano Diretor.” Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), 2011.
- SILVA, Juliana Nunes de Andrade. “A ampliação do debate acerca da paradiplomacia.” Revista Relações Exteriores, 22 de abril de 2021.
- ABREU, Gustavo de Souza. “Efeitos político-jurídicos da não institucionalizada paradiplomacia no Brasil.” Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 3, n. 2, 2013.
- AMORIM, Tiago Scher Soares de. “Paradiplomacia no Brasil: Os Casos do Estado da Bahia e do Município de Salvador e a Política Externa Subnacional.” Tese de Mestrado em Relações Internacionais, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade de Federal da Bahia, 2019.
- JUNQUEIRA, Cairo Gabriel Borges. “Paradiplomacia: a transformação do conceito nas relações internacionais e no Brasil.” BIB, São Paulo, n. 83, 1º semestre de 2017 (publicada em fevereiro de 2018).
- MIKLOS, Manoela Salem. “Diplomacia Federativa: O Estado Brasileiro e a Atuação Internacional de suas Unidades Constituintes.” Apresentação no 3º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais, São Paulo, 2011.
Estes trabalhos cobrem uma gama de perspectivas sobre a paradiplomacia, desde estudos de caso específicos até análises teóricas, oferecendo um panorama rico sobre como os entes subnacionais se engajam na arena internacional.
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