O caminhar da história sempre exigiu o surgimento de novos atores sociais que acompanhassem o progresso da sociedade. O período de intensificação da globalização e o nascimento de uma nova ordem mundial pós Guerra Fria não se desprendeu dessa demanda, e as novas noções políticas e socioeconômicas, fortalecidas por diferentes interações geopolíticas, permitiram a ascensão de um novo mecanismo diplomático.
Nesse contexto, o que até então era somente tarefa do Governo Nacional, em sua essência preservar a soberania do país, como nunca expandiu seus horizontes para um mundo de novas oportunidades, onde os entes subnacionais (governos regionais ou locais) encontraram-se capacitados a exercer relações, em suas diversas vertentes, com o mundo.
CONCEITO E EXEMPLOS
Surge então o termo Paradiplomacia, que pode ser definido em poucas palavras, como o contato de um Município ou Unidade Federativa com um agente internacional, que pode ser tanto da esfera pública quanto privada, em que o objetivo é estabelecer, por meio de acordos e tratados, uma ligação entre ambas as entidades, gerando um desenvolvimento político ou socioeconômico na região.
Assim, a paradiplomacia pode constituir um mecanismo muito importante para o desenvolvimento de certos regiões, haja visto que o administrador local possui uma visão muito mais íntima das necessidades regionais do que o governo central, atuando de forma mais concisa para utilizar as relações internacionais como uma ferramenta agregadora as soluções que a área precisa.
Essa atuação pode vir de diversas maneiras, sendo possível criar diferentes estratégias de interação com esses órgãos internacionais, possibilitando conexões em diversos setores, como economia, cultura, meio ambiente, política, esporte, saúde e intercâmbios.
Algumas possibilidades de relações que podem ser estabelecidas são:
ECONOMIA | POLÍTICA | CULTURA |
– Fixação de escritórios permanentes em cidades estrangeiras afim de captar investimentos; – Promoção do comércio e aumento do potencial turístico local perante parcerias; – Aumento das exportação e estabelecimento de novos mercados consumidor. | – Intercâmbio de políticas públicas com outras cidades; – Incentivos fiscais a multinacionais para atrair investimentos; – Participação em acordos internacionais; | – Cooperação Internacional em educação e cultura; – Identificação de laços históricos e étnicos com outras regiões globais; – Participação de feiras e exposições internacionais com trocas culturais. |
CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS
A maior causa da concretização da paradiplomacia não pode ser outra a não ser a Globalização e seus discorrimentos que “diminuíram” as distâncias dos países e obrigaram a intensificação das relações em todas as esferas para a permanência da convivência pacífica entre as nações.
Nessa nova dinâmica global, não havia outra ocorrência a não ser o surgimento natural de outros mecanismos que acompanhassem essa exigência global de novos jeitos de se conectar e estreitar laços socioeconômicos e políticos, tornando a paradiplomacia algo concreto.
É válido ressaltar que a diplomacia paralela já existia antes desse contexto de mundo globalizado, entretanto é na explosão dessas novas necessidades e formas de pensar que a paradiplomacia começa a atuar com mais ênfase nos entes subnacionais ao redor do globo.
Um caso paradiplomático antes da globalização, na Guerra Fria, foram os democratas-cristãos da Alemanha Ocidental. Enquanto esse grupo esteve fora do poder da região, eles se aproximaram de países comunistas, conseguindo manter relações com essas nações, diferentemente de quem estava no governo.
As consequências de uma paradiplomacia bem executada, com um plano de ação visando as necessidades e oportunidades, só podem ser positivas. Logo, mediante diversas formas de conexão, cabe ao governo local não ignorar as relações internacionais e buscar meios para a realização de tais.
Agindo dessa forma, os entes subnacionais podem atingir um alto envolvimento com atores estrangeiros, o que ocasiona até mesmo a interdependência dessas regiões. Um exemplo muito concreto disso é a Rede de Mercocidades, que desde 1995 vem sendo uma teia de cooperação horizontal integrada, como eles mesmo se definem, e possui atualmente 341 cidades de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Chile,
Bolívia, Equador, Colômbia e Peru, que juntas potencializam as trocas de experiências entre os municípios.
IMPORTÂNCIA DO DEBATE
A paradiplomacia, nos tempos atuais, já deveria exercer papel fixo no plano base de trabalho de municípios e unidades federativas, entretanto, em solo brasileiro, o debate dessa poderosa ferramenta ainda rodea somente os acadêmicos de Relações Internacionais. Além disso, o estigma de que apenas cidades grandes são capazes de aplicar essa política ainda existe, o que impede o crescimento desse mecanismo na máquina pública como um todo.
O primeiro passo para mudarmos o fluxo dessa corrente é popularizar a paradiplomacia por meios legítimos de comunicação. Divulgar nas escolas, centros acadêmicos, nas Assembleias e sindicatos é de extrema importância para colocar o tema na esfera social, da mais alta a mais baixa classe financeira. Porém, mais importante do que todas essas ações, é preciso cobrar as administrações públicas para que tomem ações que coloquem sua região no mapa global, e que a paradiplomacia seja colocada em pauta para a resolução de qualquer tipo de problema, não somente os econômicos.
Esse movimento de colaboração da sociedade civil aderido à gestão pública pode gerar uma associação benéfica para ambas as partes caso ocorra do início ao fim do projeto. Ou seja, a cobrança deve vir desde as campanhas eleitorais, exigindo do candidato um plano concreto de ações, e deve seguir sendo acompanhado durante todo mandato. É a população quem gera a demanda das ações a serem executadas por meio do governo.
PARADIPLOMACIA NO BRASIL
Em termos legislativos, a Constituição Federal de 1988 prevê no artigo 84 que cabe exclusivamente ao Presidente da República: “VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.” Entretanto, ao mesmo tempo os entes subnacionais brasileiros possuem como garantia a “repartição das competências” para exercerem suas atividades, assim, os municípios e unidades federativas, quando tratam de interesses próprios, podem agir de sua maneira.
Portanto, mesmo não tendo um respaldo da Constituição, não existe uma impossibilidade para a ocorrência da paradiplomacia, abrindo as portas para a atuação internacional desses entes, a partir de sua autonomia federativa. Dessa forma, contanto que siga as normas ditadas pela União e respeitem as diretrizes e alinhamento político das relações internacionais do Governo Federal, é possível a utilização da paradiplomacia.
Historicamente, houve duas tentativas de legalizar a paradiplomacia no Brasil. A primeira em 2005, proposta pelo deputado federal André Costa, buscava adicionar um parágrafo no Artigo 23 da Constituição que permitiria a atuação de municípios e estados com entes subnacionais estrangeiros, mas foi arquivada pelo motivo de não haver barreiras que impediam a atuação internacional de entes subnacionais; e a segunda pelo Senador Antero Paes de Barros, em 2006, que almeja uma lei sobre “a disposição de normas internacionais para o Brasil…”, mas também barrada em 2010, vista aos olhos da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania como inconstitucional.
Diante falta de legalidade sobre o tema, um auxiliar que tenta normatizar tal situação é a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), responsável por planejar, executar e supervisionar projetos de cooperação técnica e humanitária no Brasil. Sendo através dela que o governo central estabelece ligação com os entes subnacionais, criando pontes de apoio a cooperação descentralizada, e viabilizando o contato dos governos regionais e federais com o mundo (Ministério das Relações Exteriores, 2014).
ATUAÇÃO INTERNACIONAL
De acordo com pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), em 2009, mais de 60% dos governantes locais, quando perguntados se tinham interesse em atuar internacionalmente, afirmaram que sim, entretanto apenas 3% atuavam de fato. Esses dados indicam que mesmo com a participação internacional de entes subnacionais sendo uma tendência entre os governos locais, a proposta só consegue sair do papel nas grandes capitais do país, haja visto que estas possuem maior infraestrutura e capital social, político, logístico e organizacional para tal.
Entretanto, como dito anteriormente nos parágrafos da importância do debate, é justamente esse estigma que deve ser quebrado, pois qualquer região possui potencial de conexão com entidades internacionais, e pode ser justamente essa lacuna na organização local um dos fatores comprometedores para o desenvolvimento rápido da região. O Brasil e seus governantes devem entender que nossa nação possui um potencial de exportação muito maior que apenas commodities e mostrar ao mundo os diferentes recursos que o país pode oferecer culturalmente, socialmente e em diversas outras áreas, aproveitando a característica multicultural e étnica que herdamos da história.
De maneira geral, os municípios brasileiros focam em quatro áreas de ampla atuação: captação de recursos, cooperação internacional e promoção comercial e econômica. Entretanto, muitas das ações ocorrem isoladas, sem um plano de longo prazo. A solução para formatar as estruturas dessas relações é a institucionalização do mecanismo, ou seja, a criação de um órgão local responsável somente por essa área, legitimando a paradiplomacia, pois exclui o fator da alternância de poder, haja visto que mesmo com governos subnacionais com ideologias diferentes, a paradiplomacia continuará suas atividades na região, além de fornecer muito mais transparência aos projetos que estão sendo desenvolvidos. Somente com essa institucionalização, a paradiplomacia pode ser, de fato, parte da agenda dos governos locais.
Agora, será exposta a atuação paradiplomática nas duas cidades que mais utilizam essa ferramenta, Porto Alegre e São Paulo, respectivamente.
Primeiramente, Porto Alegre foi município pioneiro na institucionalização da estrutura de relações internacionais com a criação da Secretaria Extraordinária de Captação de Recursos e Cooperação Internacional em 1996, que possibilitou negociação direta com entes internacionais, sendo a captação de recursos, a atividade chave da instituição. Atualmente, no que confere a relações internacionais, a cidade possui a Coordenação de Relações Internacionais e Federativas (CRIF) trabalhando diretamente com a identificação de demandas da sociedade e a conseguinte elaboração de projetos.
Já São Paulo é um exemplo a ser seguido, cidade global amplamente conectada com agentes internacionais. Possui o Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores (ERESP) e a Secretaria de Relações Internacionais, que juntas atuam em muitos âmbitos internacionais, colocando São Paulo como uma das maiores cidades no mapa global, principalmente como símbolo urbano e de turismo corporativo. Hoje em dia, esses órgãos possuem diversas Coordenações que assumem diferentes tarefas, como assuntos bilaterais, multilaterais, missões, projetos especiais e muitos outros, além de possuir canais de comunicação claros que divulgam tudo que vem sendo feito para a população e promovem o debate com a mesma.
Todavia, mesmo com órgãos institucionalizados fortes, o maior problema da agenda dessas entidades continua sendo a troca de governo, pois as diferentes ideologias do gabinete executivo acaba, por muitas vezes, dando descontinuação para diversos projetos que poderiam beneficiar a cidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dito os fatos, não se pode atribuir menos a paradiplomacia do que um lugar de destaque na estante das principais políticas públicas de um ente subnacional. A necessidade de se conectar com a rede global é algo fundamental para o desenvolvimento saudável de uma região. Mas para tal, cabe essencialmente a sociedade civil, a inquietação e cobrança mediante administrações públicas que não exerçam o mecanismo da paradiplomacia. Sendo que nas terras tupiniquins, essa ferramenta, ainda muito recente, já se mostra uma tendência, mesmo sem ainda possuir respaldo legislativo, o que cria a urgência da institucionalização de entidades que normalizem essa política.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MATSUMOTO, Carlos Eduardo Higa. As determinantes locais da paradiplomacia: O caso dos municípios brasileiros. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2011. Disponível aqui. Acesso em 12/05/2021.
FERREIRA, Diandra Schatz. Paradiplomacia nas cidades brasileiras: elementos impulsionadores internos. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Uberlândia, 2020. Disponível aqui. Acesso em 12/05/2021.
MORAIS, Maria Cezilene Araújo de. Paradiplomacia no Brasil: Uma Abordagem sobre a Inserção Internacional de Municípios Paraibanos a partir do Programa Plano Diretor. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). João Pessoa, 2011. Disponível aqui. Acesso em 12/05/2021.
SILVA, Juliana Nunes de Andrade. A ampliação do debate acerca da paradiplomacia. Revista Relações Exteriores. 22 abril 2021. Disponível aqui. Acesso em 12/05/2021.