O Séc. XXI tem sido marcado pela rápida ascensão da China no cenário internacional. A nível econômico, o país tem se afirmado enquanto a maior economia industrial e o maior exportador de bens. A sua cultura tem sido igualmente difundida ao redor do globo, como resultado da estratégia do governo chinês de internacionalização da economia e de aumento da influência do país externamente. Neste sentido, torna-se relevante compreender o papel do soft power chinês enquanto ferramenta de ganho de poder no sistema internacional.
Iremos então analisar o que engloba o conceito de soft power, como ele é interpretado por analistas chineses e como se manifestam na prática os esforços de incremento de soft power por parte da China.
O Conceito de Soft Power
O conceito de soft power foi criado e desenvolvido pelo autor Joseph Nye. Este afirma que a capacidade de influenciar o que os outros países desejam tende a estar associada a recursos de poder intangíveis como cultura, ideologia e instituições, e que tal soft power cooptivo é tão importante quanto o hard power de comando, este último tradicionalmente associado ao poder econômico e militar (Nye Jr. 1990). Neste sentido, a concepção original de Nye lida não só com a política externa, mas também com a cultura e valores políticos do país, que são áreas relevantes para o trabalho de propaganda interna chinesa (Edney 2012), uma das ferramentas de soft power doméstico do país.
O desenvolvimento de soft power por parte da China visa então duas arenas: a interna, associada à legitimidade do seu governo e ao apoio dos cidadãos chineses dentro do próprio território, e a externa, utilizada na arena internacional perante diferentes países e regiões, com especial enfoque nas elites das economias emergentes.
O soft power pode ser um recurso muito útil na política internacional, principalmente quando a competição por recursos se intensifica e a maioria dos países prefere evitar o uso de poder militar (Hunter 2009). A utilização de instrumentos militares tornou-se muito mais difícil e complexa no sistema internacional atual quando comparada com meados do século passado, o que torna o soft power, que pode ser traduzido como poder brando, uma ferramenta valiosa para os Estados. Desta forma, os tomadores de decisão chineses têm tido atenção quanto ao progresso do soft power chinês como forma de aumentar a influência do país internacionalmente.
Soft Power Chinês
O conceito de soft power é entendido pelos analistas chineses enquanto uma ferramenta para fins defensivos, com o objetivo de cultivar uma imagem melhor da China para o mundo exterior, assim como de corrigir percepções errôneas sobre o país e evitar incursões culturais e políticas do Ocidente na China (Mingjiang 2008). Para tal, o governo chinês utiliza vários meios, que passam, por exemplo, pela promoção da língua e cultura chinesa internacionalmente, por ações de apoio humanitário e pela oferta de bolsas de estudo a estrangeiros.
A China é um país com uma enorme projeção internacional, que tem crescido nas últimas décadas. As Olimpíadas de Pequim de 2008 e a resiliência da economia chinesa face à crise econômica desse mesmo ano representaram um ponto alto na reputação internacional da China (Hunter 2009). Mais recentemente, o surgimento do SARS-CoV-2, a produção e distribuição de vacinas contra o novo coronavírus e o crescimento econômico do país perante a crise provocada pela pandemia do COVID-19 terão também influenciado a sua imagem externa.
Impulsionar o soft power da China é parte de um programa de “construção cultural” que procura melhorar a posição do país internacionalmente, e em simultâneo consolidar a estabilidade e a unidade nacional no nível doméstico (Edney 2012), sendo neste sentido a cultura tradicional chinesa apontada pelos analistas chineses como a fonte mais valiosa de soft power chinês (Mingjiang 2008).
Tal soft power aumenta ainda a aspiração da China de se tornar um líder natural para os países em desenvolvimento, através do que anuncia como o sucesso do “modelo de desenvolvimento chinês”, que se opõe ao modelo americano e de seus aliados, e por meio de “diplomacia econômica”, manifesta através de ajuda humanitária, investimentos noutros países e outros instrumentos não-militares (Hunter 2009). Ademais, o PIB per capita da China aumentou de 947 US$ em 2000 para 10.004 US$ em 2019, crescendo assim 956.39% em 19 anos, valores que melhoram a reputação do país na esfera econômica e reforçam a legitimidade do seu modelo de desenvolvimento interno.
Diplomacia do Panda
Desta forma, a China tem procurado reforçar os seus laços econômicos e culturais com os países em desenvolvimento, em especial com países asiáticos, africanos e latino-americanos. Neste contexto, Nye reforça que os programas de ajuda humanitária chinesa ao continente africano e à América Latina não são limitados por preocupações institucionais e de direitos humanos, aspectos que por sua vez restringem a ajuda ocidental (Nye Jr. 2012), e que, portanto, tornam a ajuda chinesa uma alternativa à dos países ocidentais.
O país tornou-se uma das principais fontes de financiamento para África, através de políticas que incluem financiamento preferencial, cancelamento de dívidas, estabelecimento de áreas de cooperação econômica e comercial e a abertura dos mercados da China no continente africano (Mlambo, Kushamba, e Simawu 2016). Existem, contudo, críticas à atuação da China nestes domínios.
Na África, afirma-se que a China tem extraído recursos naturais como petróleo e minérios e apoiado de forma controversa regimes africanos que foram apelidados pela comunidade internacional de autocráticos e inclusive de violadores dos direitos humanos (Ibid.) Ainda assim, a atuação da China na sua abordagem aos países em desenvolvimento tem ganho a aprovação substancial de líderes políticos tanto da África como da Ásia e da América Latina, regiões onde a China aumentou drasticamente o seu comércio e investimento estrangeiro direto (Ham e Tolentino 2018).
A nível interno, pode ainda ser afirmado que apesar do sucesso das Olimpíadas de 2008, a repressão doméstica da China no Tibete e em Xianjiang, assim como de ativistas dos direitos humanos, diminuiu os seus ganhos de soft power (Nye Jr. 2012). Verifica-se assim que as principais críticas à atuação chinesa se focam nos seus valores políticos e na noção de universalidade dos direitos humanos.
Esforços Atuais de Incremento do Soft Power da China
Na prática, o país tem utilizado diferentes mecanismos de aumento do seu soft power na arena internacional, focados sobretudo nas áreas da cultura, comunicação e educação.
Em primeiro lugar, os esforços atuais da China para promover o seu soft power estão focados em atividades culturais de larga escala noutros países e regiões (Mingjiang 2008; Ham e Tolentino 2018). A promoção da cultura chinesa externamente através de festivais culturais, tours e participação em conferências torna-se desta forma uma ferramenta poderosa de aumento do seu soft power e de melhoria da imagem do país no exterior.
Por sua vez, a China busca o incremento da capacidade dos seus media nas comunicações internacionais (Mingjiang 2008; Ham e Tolentino 2018; Wasserman 2018). Os meios de comunicação de massas ao redor do globo parecem estar dominados pelos media ocidentais de acordo com a perspectiva de analistas chineses, uma tendência desfavorável ao soft power chinês (Mingjiang 2008).
Por fim, no ramo da educação, a China investe na criação de Institutos Confúcio ao redor do globo (Mingjiang 2008; Hunter 2009; Ham e Tolentino 2018) e na promoção de bolsas de estudo na China para estrangeiros, nomeadamente através da organização China Scholarship Council (CSC) (Hunter 2009; Ham e Tolentino 2018). O país tem inclusive aumentado o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) desde as últimas décadas, mesmo quando analisado em termos de percentagem do PIB chinês investido em P&D.
Importa ainda reforçar que a China Scholarship Council tem sido um instrumento-chave na construção de uma boa imagem da China internacionalmente e um mecanismo poderoso e eficaz de expansão do seu soft power nas economias em desenvolvimento (Ham e Tolentino 2018). A atribuição de bolsas de estudo na China a estudantes de países emergentes tem melhorado a imagem do país perante estes alunos, que são muitas vezes parte das elites locais dos seus países de origem (Ibid.) Este tem sido então um mecanismo eficaz de redução do argumento de “ameaça chinesa” nas regiões em desenvolvimento.
Conclusão
O conceito de soft power parece não ter passado despercebido aos analistas e tomadores de decisões chineses. Atualmente, esta forma de poder brando assente na influência do país perante outros atores internacionais tem vindo a ganhar destaque em relação ao poder militar, associado ao conceito de hard power. A China tem atuado em diversas áreas internacionalmente para incrementar o seu soft power, nomeadamente na cultura, comunicação e educação. Ademais, os seus esforços têm se focado nas economias emergentes, com especial enfoque na Ásia, na África e na América Latina. Contudo, esta atuação não tem estado livre de criticismo, principalmente em relação aos valores políticos chineses e à sua atuação perante o conceito de direitos humanos universais.
Os esforços de incremento do soft power chinês não apenas ampliam a influência da China, mas também reforçam a legitimidade do seu modelo de desenvolvimento interno. A diplomacia econômica chinesa, aliada a iniciativas culturais e educacionais, posiciona o país como um líder natural para os países em desenvolvimento. No entanto, o sucesso desta estratégia dependerá da capacidade da China de abordar as críticas relacionadas aos direitos humanos e à transparência política.
Em resumo, a ascensão do soft power chinês representa um fenômeno complexo e multifacetado, que continuará a moldar as dinâmicas internacionais nas próximas décadas. O mundo observará atentamente como a China equilibrará seu poder brando com suas ambições políticas e econômicas, buscando um lugar de destaque no sistema internacional.
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Bibliografia
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Ham, Myungsik, e Elaine Tolentino. 2018. “Socialisation of China’s Soft Power: Building Friendship through Potential Leaders.” China: An International Journal 16 (1): 45–68. muse.jhu.edu/article/688047.
Hunter, Alan. 2009. “Soft Power: China on the Global Stage.” Chinese Journal of International Politics 2:373–398. doi:10.1093/cjip/pop001.
Mingjiang, Li. 2008. “China Debates Soft Power.” Chinese Journal of International Politics 2:287–308. doi:10.1093/cjip/pon011.
Mlambo, Courage, Audrey Kushamba, e More B. Simawu. 2016. “China-Africa Relations: What Lies Beneath?” The Chinese Economy 49 (4): 257–276. doi:10.1080/10971475.2016.1179023.
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Wasserman, Herman. 2018. “China-Africa media relations: What we know so far.” Global Media and China 3 (2): 108–112. doi:10.1177/2059436418784787.