Teoria Verde nas Relações Internacionais: do antropocentrismo ao ecocentrismo

Teoria Verde nas Relações Internacionais: do antropocentrismo ao ecocentrismo

O campo das Relações Internacionais está passando por uma transformação significativa com a efervescência de novas teorias e abordagens. Tradicionalmente dominada por teorias provenientes de países como Estados Unidos e Inglaterra, a disciplina tem sido amplamente vista como anglo-saxônica. Essas teorias dominantes partem das realidades e contextos desses estados, muitas vezes não refletindo as realidades de países como o Brasil.

Teorias feministas, anticoloniais, críticas e a Teoria Verde, entre outras, emergem para atender à necessidade de uma compreensão mais ampla e diversificada do mundo. Romper com o positivismo e o determinismo das teorias tradicionais, como o Realismo, abre espaço para uma nova política internacional que contemple as perspectivas de outros países. Existe uma necessidade premente de uma teoria que reflita a realidade brasileira, que poderia ser a Teoria Verde. No entanto, consolidar uma perspectiva única que contribua de forma significativa para a compreensão do Brasil e sua posição no mundo ainda é um grande desafio.

A Teoria Verde nas Relações Internacionais propõe uma abordagem inovadora e necessária para enfrentar os desafios ambientais e de valorização do conhecimento de diferentes comunidades, a fim de pensar a relação da humanidade com o ambiente que está inserida . Colocando a ecologia no centro da política internacional, essa teoria desafia os paradigmas tradicionais e oferece soluções sustentáveis e justas para a interação humana com o meio ambiente.

Origens e Evolução do Pensamento Político Verde

A Teoria Verde nas Relações Internacionais é um campo relativamente novo, mas em rápido crescimento, que desafia as abordagens tradicionais da política global ao colocar a sustentabilidade ecológica no centro das decisões políticas. 

Para tanto, vamos buscar as origens históricas e o desenvolvimento do pensamento político verde, destacando os principais marcos e a evolução das ideias que formam a base desta teoria.

As Primeiras Manifestações do Pensamento Verde

O Século XIX: O Início do Ecologismo

O pensamento político verde pode ser rastreado até os movimentos ecológicos do século XIX, quando os rebeldes contra a industrialização começaram a destacar a necessidade de preservar a natureza frente às práticas industriais desenfreadas. Estes primeiros movimentos focavam na preservação e conservação dos recursos naturais, marcando o início do que se tornaria uma luta contínua pela sustentabilidade.

A Primeira Conferência Ambiental Internacional

Em 1889, o primeiro tratado internacional sobre flora foi assinado em Berna, Suíça, para prevenir a propagação de doenças nas vinhas europeias. Este evento representou um passo significativo na cooperação internacional em questões ambientais, seguido por outros tratados nas décadas de 1920 e 1950.

A Emergência do Ambientalismo Moderno

A década de 1960 marcou o início da consciência ambiental moderna, com o crescimento econômico e populacional exacerbando o consumo de energia e recursos, impactando negativamente a biodiversidade. Este período viu o surgimento de movimentos sociais e intelectuais que começaram a integrar o ambientalismo nas discussões políticas e acadêmicas.

A crise do petróleo de 1973 destacou a inevitabilidade da exaustão dos recursos naturais, trazendo à tona a necessidade de reavaliar as práticas de consumo e desenvolvimento tecnológico. Esta crise impulsionou a conscientização sobre a finitude dos recursos e a necessidade de um desenvolvimento sustentável.

Desenvolvimento da Teoria Verde na Política Internacional

A Conferência de Estocolmo de 1972

Em 1972, representantes de 114 países se reuniram em Estocolmo para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. O objetivo era estabelecer cooperação internacional para enfrentar os problemas ambientais, resultando em uma declaração básica e um plano de ação para a comunidade internacional. Esta conferência foi um marco importante, colocando os princípios da sustentabilidade no centro da política ambiental internacional.

Anos 1980: A Ascensão dos Partidos Verdes

Durante a década de 1980, a política ambiental ganhou força com o surgimento dos primeiros partidos verdes na Europa, focados em responsabilidades ecológicas, justiça social, não-violência e democracia participativa. Estes partidos começaram a ganhar assentos nos parlamentos europeus, influenciando significativamente a agenda política.

O fim da Guerra Fria representou um ponto de virada para a política ambiental internacional, pois a polarização política e a corrida armamentista dificultavam a cooperação ambiental. A dissolução das tensões bipolares abriu espaço para uma maior colaboração internacional em questões ambientais.

A Internacionalização do Pensamento Verde

Anos 1990: A Cúpula da Terra no Rio de Janeiro

Em 1992, a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, também conhecida como Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, reuniu líderes globais para adotar a Agenda 21 e outros acordos significativos. Este evento consolidou a importância da sustentabilidade no desenvolvimento mundial e incentivou a integração da Teoria Verde nas Relações Internacionais.

Transnacionalização e Globalização

A partir dos anos 1990, a perspectiva transnacional ganhou importância no pensamento político verde, reconhecendo os efeitos globais dos problemas ambientais e a necessidade de soluções globais. Esta mudança aproximou a Teoria Verde da disciplina de Relações Internacionais, integrando a ecologia nas discussões sobre globalização e relações transnacionais.

A Teoria Verde nas Relações Internacionais tem evoluído significativamente desde suas origens no século XIX, passando por marcos importantes como a Conferência de Estocolmo, a ascensão dos partidos verdes na Europa e a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro. Esta teoria desafia as abordagens tradicionais da política global, propondo uma integração profunda da sustentabilidade ecológica nas decisões políticas, e continua a influenciar a forma como entendemos e respondemos aos desafios ambientais globais.

Principais Princípios da Teoria Verde

A Teoria Verde nas Relações Internacionais não é apenas uma cor na disciplina; é uma teoria que enfatiza a cooperação ambiental internacional. Ela questiona as estruturas políticas, sociais e econômicas existentes, propondo alternativas ecocêntricas e desafiando as abordagens tradicionais. Para entender a importância dessa teoria, é essencial distinguir entre ambientalismo e a Teoria Verde.

Ambientalismo vs. Teoria Verde

Os termos “ecologismo” e “ambientalismo” são frequentemente utilizados para descrever a teoria política verde. No entanto, eles possuem diferenças fundamentais. Os ambientalistas aceitam as estruturas políticas, sociais e econômicas atuais e acreditam que os problemas ambientais podem ser resolvidos dentro dessas estruturas. Em contraste, os verdes veem essas mesmas estruturas como a causa principal dos problemas ambientais e argumentam que elas precisam ser desafiadas e transformadas.

  • Pensamento Verde: Refere-se a uma abordagem radicalmente diferente nas Relações Internacionais, problematizando as relações entre humanos e a natureza e a construção de práticas sociais. Este pensamento adota uma visão ecocêntrica, que considera os seres humanos como parte integrante do ecossistema, sem hierarquias que priorizem os interesses humanos sobre os da natureza.
  • Pensamento Ambientalista: Refere-se à preocupação com questões ambientais específicas, como chuvas ácidas e aquecimento global, e acredita que esses problemas podem ser resolvidos por meio da cooperação internacional. Este pensamento geralmente aceita as estruturas políticas, sociais e econômicas existentes, buscando soluções dentro dessas estruturas.

Antropocentrismo vs. Ecocentrismo

O antropocentrismo é uma visão de mundo centrada no ser humano, que considera a natureza dentro dos valores humanos. Essa perspectiva está profundamente enraizada na cultura moderna e nas ciências sociais positivistas, que veem a natureza principalmente como um recurso para o benefício humano.

O ecocentrismo é a base da Política Verde, rejeitando a visão centrada no ser humano e promovendo uma ética centrada na natureza. Segundo o ecocentrismo, todas as criaturas têm valor intrínseco e não existe supremacia do ser humano sobre outras espécies. Esta filosofia defende que os seres humanos são parte da natureza e devem viver em harmonia com ela.

Críticas ao Desenvolvimento e Crescimento Econômico

Os teóricos verdes acreditam que o mundo já atingiu os limites do crescimento e que qualquer crescimento adicional na população ou na economia pode prejudicar a ecologia e a humanidade. O livro “The Limits of Growth” de Meadows et al. argumenta que o crescimento econômico e tecnológico tem causado danos significativos ao mundo e que é impossível ter um crescimento infinito em um sistema finito.

Desenvolvimento Sustentável e Modernização Ecológica

  • Desenvolvimento Sustentável: Definido pela Comissão Brundtland como “desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades”. Este conceito é controverso, pois é visto por alguns como uma maneira de gerenciar o crescimento sem abordar as causas fundamentais dos problemas ambientais.
  • Modernização Ecológica: Uma variação do desenvolvimento sustentável que incentiva a proteção ambiental por meio da inovação tecnológica e do crescimento econômico. No entanto, os teóricos verdes críticos argumentam que essas abordagens mantêm uma visão antropocêntrica e não questionam adequadamente os objetivos do progresso humano.

Descentralização e Democracia Participativa

Os verdes defendem a descentralização da autoridade e da tomada de decisões dos órgãos centrais para os locais, argumentando que as comunidades locais estão melhor posicionadas para gerir seus recursos naturais de maneira sustentável. Isso promove a autodeterminação e a responsabilidade democrática, além de incentivar o cuidado com o meio ambiente imediato.

A democracia participativa é um princípio central da Teoria Verde, promovendo o envolvimento direto das comunidades nas decisões ambientais. Esta abordagem garante que as políticas reflitam as necessidades e vozes locais, fortalecendo a governança comunitária e aumentando a resiliência contra crises ecológicas.

A Teoria Verde nas Relações Internacionais oferece uma abordagem crítica e transformadora que desafia as estruturas tradicionais e promove uma integração profunda da sustentabilidade ecológica nas decisões políticas. Ao colocar a ecologia no centro das políticas, a Teoria Verde propõe soluções que equilibram o desenvolvimento humano com a preservação ambiental, assegurando um futuro sustentável e justo para todos.

Desafios e Críticas à Teoria Verde

Compatibilidade com Estruturas Tradicionais

Um dos maiores desafios enfrentados pela Teoria Verde é a compatibilidade com as estruturas políticas e econômicas tradicionais. Enquanto algumas visões verdes podem ser integradas nas estruturas existentes, outras exigem transformações teóricas e práticas significativas.

Críticas ao Ecocentrismo

Críticos do ecocentrismo argumentam que essa visão pode ser muito radical e impraticável no contexto das Relações Internacionais. Eles questionam a viabilidade de substituir a perspectiva antropocêntrica predominante por uma abordagem totalmente ecocêntrica.

A Teoria Verde nas Relações Internacionais se distingue claramente das teorias tradicionais de RI em diversos aspectos. No entanto, muitos conceitos das teorias tradicionais também são examinados pela Teoria Verde, mas através de uma perspectiva ecológica. Segurança, estado e economia são alguns dos conceitos mais discutidos e controversos nas RI tradicionais e também são tópicos importantes na Teoria Verde, mas com significados e valores diferentes. Para entender a Teoria Verde nas RI, é crucial compreender o significado desses conceitos sob uma perspectiva verde.

Segurança Verde

A segurança sempre foi uma questão central nas Relações Internacionais. Tradicionalmente, a segurança do estado era o foco principal, e a segurança internacional era entendida em termos de guerra, paz e relações de poder. Realistas clássicos e neo-realistas acreditam que os estados devem garantir sua própria segurança em um mundo anárquico. Em contraste, o liberalismo preocupa-se tanto com a segurança dos estados quanto com a segurança dos indivíduos e instituições.

A Teoria Verde desafia a visão antropocêntrica da segurança presente tanto no realismo quanto no liberalismo. Em vez de focar exclusivamente na segurança do estado, a Teoria Verde adota uma visão ecocêntrica, que prioriza o bem-estar de todo o ecossistema. Para os teóricos verdes, a segurança deve incluir a integridade dos ecossistemas e o bem-estar humano, reconhecendo a dependência mútua entre a segurança humana e a saúde ecológica.

O Estado Verde

Historicamente, o estado foi considerado o ator mais importante nas RI, especialmente sob a perspectiva realista. No entanto, com o fim da Guerra Fria e a ascensão do liberalismo e da globalização, a importância exclusiva do estado foi questionada. A globalização aumentou a interdependência entre as nações e trouxe novos atores para o cenário internacional, como ONGs, indivíduos e empresas.

Os teóricos verdes argumentam que o estado, agindo segundo uma lógica de ganhos relativos, frequentemente prioriza interesses econômicos de curto prazo às custas do meio ambiente. Isso leva a uma exploração insustentável dos recursos naturais e ao agravamento dos problemas ecológicos. Enquanto alguns teóricos verdes veem o estado como necessário para negociar e redistribuir recursos, outros criticam a hegemonia estatal e defendem a descentralização e a governança local.

Economia Verde

A Teoria Verde frequentemente é vista como uma subdivisão da economia política internacional, destacando a relação entre problemas ambientais e a economia global. Desde os anos 1970, questões ambientais têm sido discutidas em cúpulas internacionais, refletindo a aceitação global de que a degradação ambiental impacta todas as nações.

Desenvolvimento Sustentável vs. Modernização Ecológica

  • Desenvolvimento Sustentável: Definido como o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atenderem às suas próprias necessidades. Este conceito, apesar de amplamente aceito, é visto com ceticismo por teóricos verdes que argumentam que ele não aborda adequadamente as causas fundamentais dos problemas ambientais.
  • Modernização Ecológica: Uma variação do desenvolvimento sustentável que promove a proteção ambiental através da inovação tecnológica e do crescimento econômico. Os teóricos verdes críticos argumentam que essas abordagens mantêm uma visão antropocêntrica e não questionam adequadamente os objetivos do progresso humano.

Shallow Environmentalism vs. Deep Environmentalism

O ambientalismo superficial assume que os problemas ambientais podem ser resolvidos dentro do sistema existente, sem necessidade de mudanças estruturais profundas. Esta abordagem não critica o status quo político, social e econômico.

O ambientalismo profundo, ou ecologia profunda, sugere que é impossível resolver os problemas ambientais dentro do sistema atual. Esta abordagem defende mudanças radicais para proteger o meio ambiente de danos irreversíveis, desafiando o sistema inteiro de crescimento econômico e consumo desenfreado.

Conclusão

A Teoria Verde nas Relações Internacionais oferece uma perspectiva transformadora que desafia as abordagens tradicionais de segurança, estado e economia, propondo uma integração profunda da sustentabilidade ecológica nas decisões políticas. Ao redefinir esses conceitos através de uma lente ecocêntrica, a Teoria Verde promove um futuro mais sustentável e equitativo para todos, enfatizando a necessidade de uma transformação radical nas práticas políticas e econômicas globais.

Ao colocar a ecologia no centro das políticas, a Teoria Verde propõe soluções que equilibram o desenvolvimento humano com a preservação ambiental, assegurando um futuro sustentável para todos. Para um país como o Brasil, que busca se posicionar como um líder em diversas agendas, a inovação na diplomacia se torna essencial. A busca por novas abordagens teóricas é fundamental, e a Teoria Verde pode trazer importantes inovações para a diplomacia brasileira.

Além disso, a adoção da Teoria Verde pode aumentar a compreensão da sociedade sobre o papel e as ações do Brasil no cenário internacional, reforçando seu compromisso com a sustentabilidade e a justiça ecológica. Ao adotar essas perspectivas, o Brasil pode não apenas liderar pelo exemplo, mas também influenciar positivamente a agenda ambiental global, contribuindo para um mundo mais justo e equilibrado.

Guilherme Bueno
Guilherme Bueno
esri.net.br

Sou analista de Relações Internacionais. Escolhi Relações Internacionais como minha profissão e sou diretor da ESRI e editor da Revista Relações Exteriores. Ministro cursos, realizo consultoria e negócios internacionais. Gosto de escrever e já publiquei algumas centenas de posts e análises.

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