Diplomacia Corporativa e Compliance

Diplomacia Corporativa e Compliance

Construindo um relacionamento sustentável e duradouro com os stakeholders

por Matheus Vinícius Queiroz Silva

No cenário atual de um mundo globalizado, a expansão dos negócios de uma empresa torna-se cada vez mais uma oportunidade para o oferecimento de produtos e serviços para além das fronteiras. A internacionalização de um negócio contribui para quebrar barreiras de acesso a determinado tipo de produto e serviço ao consumidor, trazendo benefícios para a sociedade e para a empresa que decide entrar no processo de internacionalização (SILVA, 2020). Nesse sentido, um programa de compliance em uma organização para esse cenário torna-se extremamente importante para a empresa tomar a decisão de internacionalizar da melhor forma possível, respeitando as normas éticas e regulamentares do mercado.

Em primeiro lugar, é preciso compreender a complexa interação de muitas forças antagônicas no cenário internacional. A globalização afeta o emprego, o poder de compra e a qualidade de vida dos indivíduos, bem como a prosperidade, o nível de desigualdade econômica e o sucesso competitivo das nações. Frienden, Lake e Broz (2017), argumentam que essa complexidade pode começar a ser entendida devido a três conceitos-chave: interesses, interações e instituições.

Os interesses são os objetivos dos atores, por vezes definido em termos dos resultados que eles esperam obter através da ação política. As empresas geralmente têm interesse em maximizar seus ganhos, assim como os trabalhadores têm interesse em maximizar seus salários. Já as interações são as possibilidades de escolhas que dois ou mais atores combinam para produzir resultados políticos. Disputas comerciais, estabilização financeira ou cooperação internacional para proteção ao meio ambiente são resultados que refletem as escolhas dos vários atores, cada um buscando pelo seu próprio interesse, mas também considerando os interesses e prováveis ações de outros. Por último, as instituições são um conjunto de regras, conhecidas e compartilhadas pela comunidade, que estrutura as interações políticas, estabelecendo padrões de comportamento aceitável e frequentemente incluem disposições e monitoramento do cumprimento e punição daqueles que violam as regras.

Dessa forma, a partir da análise dos autores supracitados, a implementação de um programa de compliance efetivo pode solucionar os diversos interesses entre os stakeholders, sobretudo na criação de procedimentos e práticas no combate aos ilícitos e no desenvolvimento de uma cultura de integridade. O termo compliance significa em sua tradução: “conformidade”. Explica Kalay (2018) que o termo vem do verbo inglês to comply, que significa estar sujeito a um regulamento. E, ainda, completa dispondo que o uso da palavra se expandiu e se tornou um conjunto de práticas e disciplinas que tem por objetivo o cumprimento de normativas e regulamentos de uma organização, e que essas práticas e disciplinas procuram evitar, investigar e solucionar riscos de não conformidades. Além disso, não existe um marco histórico da origem do compliance no mundo. No entanto, podemos considerar alguns fatos importantes que mostram a importância dessa ferramenta nas organizações atualmente.

A crise de 1929 levou a instituição da Securities and Exchange Commission (SEC), criada para regular o mercado de capitais, entre as suas exigências estão a obrigatoriedade de as empresas informarem ao público sobre seus negócios, títulos que estão vendendo e os riscos envolvidos no investimento. Ademais, deve haver um tratamento de forma justa e honesta aos investidores. O estabelecimento da SEC foi importante para a regulação do mercado de capitais e, consequentemente, para uma proteção maior aos investidores (INTERACT, 2020).

O escândalo Watergate que levou o presidente estadunidense Richard Nixon a renunciar ao cargo em 1974, após investigações dos pagamentos pela SEC sobre doações corporativas e um esquema de pagamentos a funcionários públicos estrangeiros, levou o Congresso norte-americano, em 1977, a promulgar o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA). O FCPA, que dispõe de normas contábeis e de antissuborno, foi criado com objetivo de punir o pagamento de propina a funcionários públicos estrangeiros e manter livros e registros contábeis que reflitam corretamente as transações da empresa, com a proibição de falsificação de livros e registros (FCPA, 2013).

No Brasil, um dos importantes marcos foi a promulgação através do Decreto Federal nº 3.678/2000 da Convenção da OCDE sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros nas Transações Comerciais Internacionais (1997). A Convenção considera como delito de corrupção de funcionário público estrangeiro oferecer, prometer ou conceder alguma vantagem indevida, essa vantagem pode ter natureza pecuniária ou não e esta pode ser realizada por algum terceiro ou diretamente para algum funcionário público estrangeiro para que este realize ou se omita no exercício de suas atividades, para obter alguma vantagem ilícita ou dificultar transações ao conduzir os negócios internacionais (BRASIL, 2000; UNODC, 2010).

Outrossim, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção foi constituída no ano de 2003. No Brasil, o Decreto 5.687 promulgou essa Convenção em 2006. Considerando que a corrupção se tornou um fenômeno transnacional, a Convenção foi um marco importante para a promoção de cooperação entre os países para o combate a corrupção e promoção de medidas para prevenir a lavagem de dinheiro e a prática de outros ilícitos (BRASIL, 2006).

Posteriormente, a Lei nº 12.846 de 2013 marcou a promulgação da Lei Brasileira Anticorrupção. Essa lei dispõe sobre a responsabilidade de pessoas jurídicas quanto a atos de corrupção contra a administração pública. Essa lei levou as empresas a terem uma maior atenção no relacionamento com entes públicos, tendo em vista que o envolvimento com ilícitos atinge financeiramente as empresas na aplicação de multas e estabelece um Cadastro Nacional de Empresas Punidas para dar publicidade às empresas que sofreram penalidades da Lei Anticorrupção (BRASIL, 2013).

Nesse sentido, as convenções e acordos internacionais são importantes para os países promoverem e cooperarem para promover práticas de integridade. A aplicabilidade extraterritorial dos regulamentos e essas colaborações internacionais, inclusive em questões punitivas, permitiram que práticas de compliance integrassem organizações públicas e privadas. Sendo assim, uma teoria que pode corroborar toda essa análise é o construtivismo das Relações Internacionais, que defende que os atores e seus interesses não são fixos ou imutáveis, mas produzidos pelo ambiente social. Também, as normas desempenham um ambiente importante na economia política internacional.

Em suma, o diplomata corporativo pode ser o responsável por representar os interesses de uma empresa perante governos, outras empresas e demais stakeholders em seu país ou no exterior, identificando e analisando os atores do mercado da empresa, planejando e desenvolvendo o relacionamento da empresa com estes atores, prevenindo e solucionando possíveis conflitos e controlando os resultados deste trabalho. Fica claro que a diplomacia corporativa e o compliance precisam andar lado a lado para construir um relacionamento sustentável e duradouro com os stakeholders.

Referências bibliográficas

BRASIL. Decreto nº 3.687, de 30 de novembro de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3678.htm. Acesso em: 14 fev. 2023.

BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm. Acesso em: 14 fev. 2023.

BRASIL. Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 14 fev. 2023.

DA SILVA, Jorge Vieira. Diplomacia Corporativa. Direito Profissional. 2020. Disponível em: https://www.direitoprofissional.com/diplomacia-corporativa/. Acesso em: 14 fev. 2023.

DE JESUS, Diego Santos Vieira. Diplomacia corporativa e Relações Internacionais. Boletim Meridiano 47. Vol. 14, n. 140, nov.-dez. 2013.

FCPA. Introdução. Disponível em https://fcpamericas.com/languages/portugues/introducao. Acesso em: 14 fev. 2023.

FRIEDEN, Jeffry A.; LAKE, David A.; BROZ, Lawrence J. International Political Economy: Perspectives on Global Power and Wealth. Introduction. 6. ed. Nova York: W.W. Norton & Company, 2017. p. 1-17.

INTERACT. Compliance na história: O germinar da área. Disponível em: https://www.interact.com.br/conteudo/compliance-na-historia-o-germinar-da-area/. Acesso em: 14 fev. 2023.

KALAY, Marcio El. O Que É Compliance? Tudo Que Você Precisa Saber!. 2018. Disponível em: http://www.lecnews.com.br/blog/o-que-e-compliance/. Acesso em: 14 fev. 2023.

SILVA, Patrícia R. O programa de compliance nos processos de internacionalização de empresas. Orientador: Prof. Dr. Armando Gallo Yahn Filho. 58 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Relações Internacionais) – Instituto de Economia e Relações Internacionais, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/31021?locale=pt_BR. Acesso em: 14 fev. 2023.

UNODC. Corrupção: marco legal: Legislação internacional. Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/marco-legal.html. Acesso em: 14 fev. 2023.

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